Eliane Trindade

Editora do prêmio Empreendedor Social, editou a Revista da Folha. É autora de “As Meninas da Esquina”.

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Eliane Trindade
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De cerveja a absorvente, negócios de impacto social reinventam capitalismo

Fórum mundial em Edimburgo mostra força global de empresas que lucram e beneficiam a sociedade

​Marca de cerveja transforma lucro em água potável para populações sedentas na África. Uma fabricante de absorventes femininos que a cada unidade vendida doa outra para adolescentes carentes no Reino Unido.

Os dois casos foram apresentados no Fórum Mundial de Empresas Sociais, realizado em Edimburgo, de 12 a 14 de setembro.

Não por acaso, os exemplos de sucesso são negócios de impacto social gestados na Escócia, berço do movimento global capitaneado por empreendedores que apostam em lucro e propósito como chave de um novo capitalismo. 

O mestre de cerimônias da abertura do evento foi Alan Mahon, fundador da marca de cerveja Brewgooder, que tem como produto símbolo a Clean Water Lager.

Além de ser maturada em baixas temperaturas, a lager Água Limpa, em tradução livre, tem como slogan “a cerveja mais ética do mercado”, embalada por números de impacto social.

Mais de 60 comunidades e 40 mil pessoas foram beneficiadas com 100% do lucro gerado pela venda da cerveja no Reino Unido.

Em 2018, o retorno financeiro da Clean Water Lager é estimado em 800 mil libras (R$ 4,6 milhões), que serão revertidos para combater a falta de água potável para populações carentes em vários países.

“Existem boas razões para beber a nossa cerveja”, afirma o jovem escocês, típico representante da geração millennial, formada por jovens que querem empreender com propósito e gerar impacto positivo no mundo.

“Na minha frente, estão 1.400 pessoas que mudam e inspiram o planeta. Todos os dias, vocês tentam tornar o mundo um lugar melhor”, disse Mahon, ao saudar os participantes da décima edição do fórum.

Entre elas, sua colega de painel no dia seguinte, Celia Hodson, da Hey Girls, empresa social que também nasceu nas terras altas da Escócia. 

"As mulheres britânicas gastam 13 libras (cerca de R$ 75) por mês com produtos higiênicos no período menstrual, mas uma em cada dez garotas no Reino Unido não pode bancar o uso de absorventes",  explicou a fundadora da Hey Girls.

A linha de absorventes criada pelo negócio social já chegou às prateleiras de supermercados e farmácias para ajudar adolescentes pobres que não conseguiam ir à escola ou ter uma vida normal quando estavam menstruadas. 

Ao traçar estratégias para aumentar a consciência em torno do movimento das empresas sociais globalmente, o neozelandês Ben Gleiser, da Conscious Consumers, destacou ser  preciso enfatizar ao consumidor que o modo como ele consome impacta o mundo. "Histórias conectam pessoas e temos que engajá-las cada vez mais ao movimento, somando suas vozes para mudar o mundo."

VOLTA AO MUNDO

Um movimento liderado pela Escócia, que foi escolhida pela segunda vez para ser sede do Fórum Mundial de Empresas Sociais. O primeiro SEWF (Social Enterprise World Forum) foi realizado em 2008 também em Edimburgo. 

Gerry Higgins, um dos fundadores do evento mundial, destacou alguns números que fazem a Escócia ser líder mundial no setor. 

“A Escócia conta com 5.600 empresas sociais, que geram uma receita de 3,8 bilhões de libras (R$ 21 bilhões) por ano. Um terço destes negócios surgiram nos últimos dez anos, entre a primeira e a décima edição do fórum mundial aqui”, destaca o anfitrião.

Até voltar à capital escocesa neste ano, o SEWF viajou pelo mundo: já foi hospedado, por exemplo, em Sa n Francisco (EUA), em 2010; no Rio de Janeiro (Brasil), em 2012; e em Christchurck (Nova Zelândia), em 2017. Em outubro de 2019, desembarca em Adis Abeba (Etiópia).

Durante três dias, Edimburgo reuniu representantes de 47 países para compartilhar experiências e discutir como ampliar a escala e o impacto do setor em todo o mundo.

IMPACTANDO VIDAS

Um dos painéis mais disputados da edição 2018 do fórum teve como tema “O Melhor das Empresas Sociais - Mudar Vida”, em que um único e carismático palestrante hipnotizou a plateia com uma fala inspiradora sobre impacto social. 

“Fazemos negócios em parceria com a comunidade. Não se trata de caridade ou filantropia”, definiu lorde Victor Adebowale, diretor-executivo da Turning Point, empresa social que atua na defesa de pessoas afetadas pela pobreza, doenças mentais, problemas com drogas e álcool e dificuldades de aprendizagem, no Reino Unido.

Para o empreendedor social britânico que ganhou o título da Ordem do Império Britânico pelo trabalho com organizações de caridade e de assistência social, enquanto capital vai para empresas que estão destruindo o planeta, faltam recursos e estrutura econômica para dar suporte a negócios sociais em construção ao redor do mundo.

"Todos os economistas deveriam estar preocupados com propósito na economia. Estamos redefinindo um novo modelo econômico. Sabemos o que fazer e temos que fazê-lo em conjunto.” 

Segundo o lorde de origem nigeriana e dreadlocks, o futuro está sendo criado agora por pessoas que querem resolver o que está errado no planeta. “As políticas e as forças de mercado já causaram danos demais.”

O painelista enfatizou o valor econômico dos negócios de impacto social, que geram riqueza e prosperidade. "Nos Estados Unidos, os negócios sociais já contribuem mais para o PIB do que as empresas do Vale do Silício”, comparou o britânico, referindo-se à região onde estão concentradas gigantes e startups de tecnologia. 

Adebowale deixou o palco principal do fórum sob fortes aplausos ao concluir que as frustrações que levaram à eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, e ao Brexit, no Reino Unido, são alertas de que é preciso mais diálogo. “Precisamos compartilhar valores, conhecimento e usar a frustração para mudar a realidade.”

TEMPOS DIFÍCEIS

O crescimento da desigualdade no mundo também foi tema de uma concorrida plenária em 14 de setembro, intitulada “A Economia Colaborativa e o Futuro dos Negócios”.

“Temos um momento difícil pela frente, com redução de salários da classe média e retrocessos de direitos humanos e trabalhistas em várias partes do mundo”, afirmou Indy Johar, do Dark Matter Labs, do Reino Unido.

"O futuro foi tirado das pessoas, por isto estamos aqui. Devemos ser parte da conversa sobre as mudanças profundas da economia e da sociedade.”

Seu colega de painel, o investidor paquistanês Faraz Kahn, do Seed Ventures, defendeu um novo sentido para a globalização.

“A chave para a nova revolução é o desenvolvimento humano. Levamos anos para construir uma economia de consumidores, com empregos, habilidades desenhadas para este contexto. Agora, é a era de criar empreendedores.”

Diante da mudança de paradigma, segundo Kahn, é preciso redesenhar educação, além de diminuir a lacuna entre orçamento público e necessidades da área social, realidade em diferentes latitudes.

“Temos 27 milhões de jovens desempregados no mundo. Precisamos desenvolver novas habilidades e talentos em todos os lugares”, complementou Jan Owen, da Foundation for Young Australians.  

OUTROS DESAFIOS

No painel intitulado “Elevar a conscientização sobre empresa social a outro patamar", palestrantes de Sri Lanka, Nova Zelândia, Canadá e Taiwan deram um caráter global a uma temática que ainda precisa chegar com força e clareza ao público em geral e às empresas.

O canadense David LePage, da Acelerating Social Impact, destacou que resolver a crise social, econômica e ambiental em escala planetária vai requer uma maior consciência e engajamento das empresas sociais.

Para ele, o desafio de enfrentar exclusão social, mudanças climática e desigualdade de renda é ainda maior por exigir esforços que ultrapassam o ecossistema de empresas sociais e as bolhas virtuais.

"É preciso falar para além de nós de mesmos, de nossas redes sociais para aumentar nosso engajamento no mercado."

Um pensamento em sintonia com uma das falas mais aplaudidas de lorde Adebowale no dia de encerramento do fórum.

“As pessoas lá fora precisam saber como os negócios deveriam ser. As empresas sociais empregam mais mulheres, jovens e impactam comunidades vulneráveis. Nós somos negócios e não devemos ter vergonha disso. Precisamos fazer a economia funcionar, gerando riqueza e prosperidade para todos.”

A editora viajou a convite do British Council para participar do Social Enterprise World Forum 2018, em Edimburgo, de 12 a 14 de setembro

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