Eliane Trindade

Editora do prêmio Empreendedor Social, editou a Revista da Folha. É autora de “As Meninas da Esquina”.

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Eliane Trindade

Amor e inspiração a bordo de uma cadeira de rodas motorizada

Portador de doença que impede movimentos, Ricky Ribeiro supera limitações, vira palestrante e planeja casar e ter filho

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A aliança de ouro reluz na mão direita. A varanda do quarto leva a um elevador com acesso à garagem que abriga também uma van adaptada. A cadeira de rodas motorizada fica estacionada à espera dos compromissos externos do seu dono.

As três cenas marcam novas viradas na vida de Ricky Ribeiro, 39, que em 2008 foi diagnosticado com Ela (esclerose lateral amiotrófica), doença degenerativa que o levou à perda completa dos movimentos e até da capacidade de respirar autonomamente.

Passados quatro anos desde a entrevista “A vida em um piscar de olhos”, o fundador da ONG Mobilize, maior portal de mobilidade urbana do Brasil, ficou noivo da fisioterapeuta Cristiane Inácio da Silva, 25, lançou o livro “Movido pela Mente” e virou palestrante.

Conquistas que se tornaram possíveis graças à tecnologia, que permite Ricky se comunicar, e ao fato de ter ganhado maior autonomia a bordo de uma cadeira Permobil, o mesmo modelo usado pelo físico Stephen Hawking (1942-2018). 

“Os amigos fizeram um crowdfunding e arrecadaram os US$ 40 mil (R$ 160 mil) para comprar a cadeira, que custa o mesmo que uma Mercedes Benz”, emociona-se Cristina Ribeiro, mãe de Ricky.

A seguir, trechos da entrevista que o administrador concedeu por escrito, por meio de um leitor ótico que acompanha seus movimentos dos olhos e se conecta a um teclado, e um software que transforma texto em voz.

As mesmas ferramentas que permitem a Ricky inspirar plateias em suas palestras e que o ajudaram a ganhar o coração da fisioterapeuta.

Em 2016, Cristy se candidatou a um estágio, virou amiga e acabou embarcando em uma história de amor inesperada.

“Ricky consegue tornar tudo mais especial, até uma ida ao cinema ou ao parque. As limitações são detalhes”, relata. O pedido de casamento foi na praça do Pôr do Sol, em fevereiro de 2017. “Ele não parece, mas é romântico”, entrega a noiva.

“Em breve, a cama hospitalar vai virar de casal”, brinca a mãe. Oficialmente noivos, eles planejam casar, ainda sem data marcada, e ter filhos. 

Mais um “final feliz” que mostra a enorme capacidade de Ricky e família de superar as limitações impostas pela doença, que não o impedem de trabalhar (integra a equipe da área de sustentabilidade da EY) e destrinchar planilhas da nova pesquisa sobre mobilidade urbana que traça o mapa da qualidade das calçadas no país, a ser divulgada em setembro.

 
 

O que significou para você a nova cadeira em termos de mobilidade?

Ricky Ribeiro - Fiquei cinco anos sem praticamente sair de casa. Entre junho de 2012 e junho de 2017, saí apenas duas vezes, uma para o hospital e outra para a Arena Corinthians na Copa do Mundo, ambas de ambulância. A cadeira trouxe liberdade, me permitiu voltar a circular pela cidade. No começo, saíamos nos quarteirões em volta de casa, mas depois começamos a alugar uma van adaptada para ir mais longe.

Na primeira saída senti um misto de euforia e apreensão, por não saber se ficaria confortável na parte respiratória e nem se aguentaria ficar muito tempo fora da cama. 

Felizmente, deu certo. No início do ano compramos um carro adaptado. Agora posso sair com frequência e ir a lugares mais longes. Em 6 de agosto, fiz minha primeira viagem em oito anos. Fui a Campinas ministrar uma palestra. Aos poucos tenho voltado a realizar atividades que eram comuns antes do diagnóstico de Ela, mas que se tornaram impossíveis com a progressão da doença e o aumento das limitações. Sonho em poder voltar a viajar de avião. Hoje é impossível, mas amanhã vai ser outro dia...

Desde quando você utiliza a cadeira?

RR - No final de 2016, minha mãe, vasculhando a internet, descobriu uma casa de portadores de Ela nos Estados Unidos onde os pacientes usavam uma cadeira motorizada e circulavam pela cidade. Na hora escrevi para os meus amigos e eles, sempre empolgados, fizeram uma campanha de crowdfunding para comprar a cadeira. Ela chegou na semana do meu aniversário, em fevereiro de 2017, mas a primeira saída para mais longe foi alguns meses depois, no Dia dos Namorados, com direito a parque e cinema.

A cadeira motorizada possui muitos ajustes e posições, inclusive uma em que eu fico quase deitado. Isso é essencial pra mim, que respiro por aparelhos. Quanto mais uso a cadeira, melhor tem ficado minha respiração.  

Como você entrou no circuito de palestras? 

RR - Ao sair com mais frequência, comecei a ser convidado para dar palestras sobre mobilidade, sustentabilidade, e sobre a minha história de vida. A primeira vez foi na Virada Sustentável de São Paulo. De lá pra cá foram 15 palestras, mais da metade nos últimos quatro meses. Felizmente, tenho sido cada vez mais procurado. Escrevo os textos, transformo em áudio, e monto a apresentação de forma dinâmica no PowerPoint, tudo com os olhos. Depois gravo a apresentação em vídeo, já com minha narração na voz digital, e levo pronta para o local.

Como foi a repercussão do livro sobre a sua vida? 

RR - Está sendo incrível. Eu recebo frequentemente depoimentos emocionantes de leitores dizendo que o livro mudou a forma como encaram a vida. Boa parte do mérito é da Gisele Mirabai, escritora premiada que transformou meus relatos em uma obra literária de excelente qualidade. 

Acredito que a grande mensagem do livro seja inspirar as pessoas a não desistirem nunca. Eu recebi uma sentença de morte chamada esclerose lateral amiotrófica e me recusei a cumprir.

Apesar das limitações, eu não sou a minha doença, sou o que escolhi ser. A minha história também é o pano de fundo para abordar temas muito mais importantes para a humanidade, como sustentabilidade, mobilidade urbana e acessibilidade. Além disso, pode oferecer valiosas dicas para familiares, amigos e portadores de esclerose lateral amiotrófica e outras doenças complexas.

Quando e como você conheceu sua noiva? 

RR - Em janeiro de 2016, decidimos abrir uma vaga de estágio para estudante de fisioterapia ou enfermagem atuar em casa. Divulgamos a vaga no Facebook e entrevistamos algumas pessoas, mas na hora de optarmos por alguém, uma prima veio morar em casa, o que tornou desnecessária a contratação. Apesar do processo seletivo não ter continuidade, eu mantive contato com a Cristy, que foi uma das candidatas.

Como ela fazia faculdade a 500 metros de casa, passou a me visitar de vez em quando depois das aulas. O sentimento entre nós foi aumentando até que começamos a namorar. 

Cristy é muito companheira e faz de tudo para estar ao meu lado em todas as saídas e momentos especiais.

Quando começamos a namorar, não havia nenhum indício de que um dia eu conseguiria sair de casa, o que faz com que eu valorize ainda mais ela ter aceitado ficar comigo. Hoje felizmente nossas saídas são cada vez mais frequentes. O TCC dela, na graduação em fisioterapia, foi sobre esclerose lateral amiotrófica, e foi apresentado no seminário da faculdade seguido de uma palestra minha. 

Quais são os planos do casal para o futuro?

RR - Ficamos noivos em fevereiro deste ano. Pretendemos casar e ter filhos, mas ainda não definimos como ou quando será o casamento. Muitas mudanças boas têm acontecido em nossas vidas. Então, deixe a vida nos levar. 

Você retomou sua vida profissional? 

RR - Depois de quase sete anos afastado pelo INSS, retornei ao trabalho na empresa EY, não mais como consultor e sim na equipe interna de sustentabilidade, desenvolvendo ações de mobilidade para os profissionais. Desenvolvi um Guia de Mobilidade Corporativa, importante instrumento para estimular as organizações a pensarem sobre o tema. 

E a sua atuação à frente do Mobilize? 

RR - Eu continuo acompanhando as atividades do Mobilize e dando palpites, mas desde que voltei a trabalhar na EY, não consigo mais me envolver no dia a dia do portal. Felizmente contamos com profissionais competentíssimos. Apesar de não conseguir me dedicar tanto como nos primeiros anos, eu procuro ficar a par de tudo que está acontecendo e sigo tendo algumas responsabilidades. Por exemplo, quando precisa fazer análise de dados, gráficos e tabelas, geralmente cabe a mim desempenhar esta função.

Além disso, desde 2017 possuo um boletim semanal sobre mobilidade urbana sustentável na Rádio Trânsito de São Paulo. Então semanalmente tenho a responsabilidade de escrever o boletim e gravar com minha voz eletrônica. 

Que ações da ONG pró-mobilidade urbana que fundou você destacaria?

RR - O Mobilize não para. Neste ano estamos realizando uma nova versão da Campanha Calçadas do Brasil, que busca reunir informação para estimular cidadãos e autoridades na melhoria das condições de acessibilidade e caminhabilidade nas cidades do país.

Estamos avaliando o quanto as cidades são convidativas para pedestres, mães com carrinhos de bebê, pessoas com deficiência, crianças e idosos. 

Além das calçadas, estamos checando a sinalização para pedestres, segurança, poluição acústica e atmosférica e também os itens de conforto, como arborização e existência de mobiliário urbano.

Reunimos estudantes e professores de arquitetura e engenharia em 27 capitais e avaliamos locais como terminais de transportes, escolas, centros de saúde, centros esportivos e outros equipamento geridos pelo poder público.

Os resultados serão divulgados em setembro, como forma de estimular a melhoria das condições de circulação para as pessoas a pé.

O que significa pra você hoje viver com Ela?

RR - A Ela não representou o fim da minha vida, apenas uma mudança de direção. Apesar das limitações, sou uma pessoa feliz. Não me sinto vítima da doença. Sigo conduzindo minha vida, me envolvendo com diferentes projetos, e planejando o futuro. Quem sabe voltar a fazer viagens mais longas, ver o Mobilize crescer, e ter filhos. E como dizem que o homem é do tamanho do rastro que ele deixa no mundo, ainda tenho muitos sonhos e feitos a realizar. 

Qual o papel da tecnologia e da ciência na qualidade de vida que você conquistou?

RR - A tecnologia e a ciência têm um papel fundamental na minha vida. Eu só consigo trabalhar e ministrar palestras porque conto com um leitor óptico que interpreta os movimentos da pupila e funciona como um mouse, além de softwares como teclado virtual e o que transforma texto em voz.

Sem a tecnologia, eu não teria criado o Mobilize Brasil e não teriam acontecido tantas coisas boas na minha vida nos últimos anos. 

A cadeira de rodas motorizada, que me permite circular pela cidade, é fruto de muita pesquisa científica.

Até minha respiração depende de tecnologia, já que uso um ventilador mecânico moderno que possui diferentes ajustes e parâmetros para eu respirar melhor. Recentemente fizemos uma automação no meu quarto-escritório e hoje eu consigo inclusive controlar pelo meu computador a televisão, o ventilador e o ar condicionado.

Mesmo sem ter movimentos no corpo, por causa da ciência e da tecnologia, cada vez consigo ter mais independência e autonomia. 

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