Eliane Trindade

Editora do prêmio Empreendedor Social, editou a Revista da Folha. É autora de “As Meninas da Esquina”.

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'O ativismo é terapia', diz Luiza Brunet, após sofrer agressão

Ex-modelo roda o Brasil e o mundo falando sobre violência doméstica e está solteira à espera de relacionamento sério

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De Tóquio a Nova Andradina (MS), com escala no sertão de Pernambuco, um pulo em Brasília e passagens pelo Arizona e por Paris.

É a volta ao mundo em mais 80 palestras e participações em eventos que Luiza Brunet fez desde que agregou ativista ao seu cartão de visitas de ex-modelo e empresária do ramo de beleza.

"O ativismo é minha terapia", diz ela, aos 56 anos, após denunciar agressão por parte do ex-companheiro, o empresário Lírio Parisotto.

O caso veio a público em julho de 2016, cerca de 40 dias depois de uma briga do casal durante viagem a Nova York.

Nos últimos três anos e meio, enquanto se desenrolam as ações criminal e cível decorrentes do episódio, ela se tornou referência para vítimas de violência doméstica.

A musa das passarelas e rainha de bateria é agora embaixadora de programas com 1.000 Mulheres, do Sebrae; do Salva uma Mulher, do Governo Federal, e do Mãos Empenhadas, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.

Tornou-se amiga de Maria da Penha, a mulher que carrega o nome da lei de proteção às vítimas no Brasil.

Já o empresário foi condenado em segunda instância em fevereiro deste ano no processo criminal. Na esfera civil, a Justiça negou o pedido de reconhecimento de União estável, pelo qual ela poderia ter direito a metade dos bens angariados nos quatro anos e meio de namoro.

Procurado pela Folha, Parisotto enviou nota pelo advogado Celso Vilardi: "Das quatro alegações feitas pela Sra. Luiza Brunet, três já foram afastadas pela Justiça, sendo duas na Justiça Criminal e uma na Cível. A acusação remanescente será analisada pelos Tribunais Superiores e também deverá ser afastada". 

Neste período de exposição e julgamentos (pela Justiça e pela opinião pública), a ex-modelo diz se enxergar hoje como "modelo de mulher", provedora da família, mãe de Yasmin, 31, e Antônio, 22.

Desde o fim do relacionamento com Parisotto, Luiza circula solteira. “Não estou preocupada em começar um namoro. Ando bem ocupada, nem dá tempo. Mas tenho certeza de que terei um companheiro.”

Ela se diz casadoira. “Não sou o tipo de mulher que tem sexo casual nem namoros sem importância. Casei aos 16 anos. Tive três longos relacionamentos.”

Ter denunciado o ex-companheiro não inibe pretendentes. “Só afasta agressores. Homens de verdade não têm medo de mulher.”

Nesta segunda-feira (21), Luiza participou em Paris do encontro "Cada Voz Canta - Sobre a Importância da Discussão e União no Combate à Violência contra a Mulher”, na Maison da América Latina, promovido pelo núcleo parisiense do grupo Mulheres do Brasil.

A seguir, lições que Luiza aprendeu e ensina a plateias no Brasil e no exterior.

“A agressão que sofri em 2016 foi um divisor de águas. Tive de tomar uma decisão sozinha, muito corajosa.

Já trabalhava com essa causa há oito anos no Instituto Avon. Fiquei indignada. Denunciar foi a atitude correta como mulher e cidadã.

Demorei até ir ao Ministério Público. Tinha vergonha. Ficava ponderando até que ponto o julgamento iria ser ruim para minha carreira, para minha família. 

Conversei com minha mãe, com meus filhos. Todos me apoiaram. Pela primeira vez, minha mãe falou sobre as agressões que sofreu. Houve uma força grande vindo dela. Eu tinha a memória de que ela apanhava do meu pai, mas não se falava disso.

A razão de a gente ter ido do Mato Grosso do Sul para o Rio de Janeiro foi ela ter dito: "chega, não aguento mais". Era uma mulher simples, do interior, sem dinheiro até para pagar a passagem de ônibus.

Meus pais voltaram a viver juntos por um tempo no Rio e ela continuou sendo agredida. Até que 24 anos depois de casada, ela resolveu fazer uma denúncia. Meu pai ficou uma noite na delegacia e nunca mais a agrediu. Logo depois se separaram.

A mulher sabe quando é o fim da relação. Caso não coloque um fim, pode acabar em feminicídio. Para mim, o ponto final no relacionamento foi no dia que sofri a agressão.

Depois de uma agressão física daquela magnitude não se pode voltar para o agressor de forma nenhuma. Estaria dando chancela para ele fazer outras vezes.

Fazer a denúncia é constrangedor. A pessoa é questionada várias vezes para que não fiquem dúvidas. É duro recontar toda a história. Afinal, você está acusando uma pessoa de um crime.

Fiz a denúncia uns 15 dias depois do fato. Tem mulheres que levam mais tempo, anos. Para qualquer mulher é difícil denunciar violência doméstica. Pobre, rica ou de qualquer etnia. 

Tenho várias amigas que sofrem, que falam que me admiram por eu ter tido coragem. Acredito que toda mulher agredida uma hora vai dar um basta.

Numa palestra em Nova York, dentro da embaixada do Brasil, para cem mulheres de classe média alta, bonitas, vestidas de Chanel, 27 delas me procuraram ao final para saber como fazer uma denúncia. 

Eu estive também na Ilha de Deus, no Recife, e fiquei impressionada com aquelas pescadoras, empreendedoras. É surpreendente como as mulheres se reinventam, principalmente quando elas são dependentes financeiramente.

EXPOSIÇÃO PÚBLICA

Sabia que a exposição ia ser grande e que seria julgada. Não sou anônima, mas não esperava que a repercussão ia ser tamanha. Foi uma bomba atômica.

Quis fazer através de uma nota e escolhi um jornalista que era amigo de uma vida. Quando ele me ligou, desabei. Ainda estava constrangida.

Naquela madrugada, meu telefone não parou de tocar. Fiquei apavorada. Decidi não falar com mais ninguém. Saiu em todas as mídias. Fiquei dentro de casa, muito mal física e emocionalmente.

As pessoas diziam que eu tinha contratado um homem para me bater e tirar dinheiro. Foi tanto absurdo. Diziam: ‘Luiza é marmita, todo mundo come'. Esse tipo de absurdo não tem como responder. Sei quem eu sou.

Quando lia tudo isso, me incomodava profundamente. Hoje, dou risada. A verdade quem sabe é quem passou e quem fez. Duas pessoas. Quem bate esquece, quem apanha, não.

Passei por um abalo forte de imagem, mas sai como uma mulher que enfrentou a situação, botou a boca no trombone e transformou isso numa causa.

JULGAMENTOS

Muita gente me criticou por ter ido a uma gravação logo depois. A vida continua. Sou provedora da minha família. E de mim mesma.

Eu tinha um compromisso. A gravação da novela era três dias depois, mas consegui passar um pouco mais para frente. Quando você é agredida na cara, o seu cartão de visitas, o hematoma não aparece no primeiro dia.

Minha foto é real [de olho roxo, postada por ela no Instagram]. Publiquei com a legenda: ‘A maquiagem no rosto esconde o hematoma na alma’. Diziam que eu tinha feito plástica no olho. 

Quando cheguei para fazer a novela, pedi maquiagem forte. Na cena em que Francisco Cuoco me joga na parede, eu senti dor. No dia seguinte, fui fazer exame. Deu uma costela quebrada, a nona.

Falei com meu advogado. O Ministério Público exigiu tomografia. Quando saiu o resultado, eram quatro costelas quebradas.

BUSCA DE JUSTIÇA

 O que me levou a ir atrás da Justiça foi a falta de respeito. Toda a dedicação que tive com aquela pessoa. Não dimensionei o que ele tem ou o que ele é. Eu vi um homem que me agrediu.

Prefiro nem tocar no nome dessa pessoa que me fez tanto mal. Por respeito a mim. Ele passou a ser o que sobrou: o agressor. 

Fiquei sabendo da condenação dele quando estava numa reunião com Paulo Dimas, secretário de Justiça de São Paulo. Justamente para falar de uma campanha para encorajar outras mulheres a denunciar violência doméstica.

De repente, recebo a mensagem do meu advogado no WhatsApp.  Foi icônico. Chorei e ainda choro quando lembro. Todo mundo ficou emocionado na sala. As pessoas se levantaram, aplaudiram.

A decisão é uma resposta principalmente para aquelas mulheres que me julgaram, me tacharam de vagabunda, prostituta de luxo. ‘Aparece balançando o rabo e agora vem atrás de dinheiro do velho.’ Escreviam esse tipo de coisa.

A condenação foi reparadora. Eu me senti aliviada e forte para continuar trabalhando em prol das mulheres.

DE VÍTIMA A ATIVISTA

Digo para elas que usem o meu exemplo. As estatísticas dizem que quando não se denuncia, há mais probabilidade de ser morta ou continuar num relacionamento abusivo.

A vítima vai se oprimindo e adoece. E adoece a família. Posso fala isso com propriedade, porque vivi dos 6 aos 12 anos em um lar onde havia violência. Eu amava meu pai quando ele estava sóbrio. Quando bebia, chegava a ameaçar minha mãe com arma. Era pesada a história. 

Por isso, tenho falado para os homens também. Digo aos pais para se policiarem e não brigarem na frente dos filhos. Nem sempre se olha quem está perto. Acabam agredindo, xingando, jogando coisas. Isso causa danos irreversíveis em crianças e adolescentes.

Sempre agradeço a presença dos homens nas palestras. Fico feliz de vê-los ali, querendo entender o que é violência doméstica e um relacionamento abusivo.

Comecei a ser convidada para participar de palestras importantes, com Carmen Lúcia [ministra do STF] e Raquel Dodge [ex-procuradora Geral da República]. Nunca pensei que pudesse dividir uma fala com a empresária Luiza Helena Trajano.

Participo de eventos ao lado de Maria da Penha, ícone dessa luta no Brasil. Ela é mais que amiga, uma mulher extraordinária que me deu força para eu me tornar ativista.

AUTOCUIDADO

Desenvolvi doenças, como hipotireoidismo e inflamação grave no fígado e nos rins. Fiquei deprimida. Não sou contra terapia, mas preferi talvez o caminho mais dolorido. Ir atrás de outras mulheres, pesquisar na internet, usar meu Instagram.

O ativismo é a minha terapia. Falar foi uma forma de me tratar. Também escrevi muito sobre tudo que aconteceu.

O direct do meu Instagram é uma loucura, com tantas mulheres me mandando denúncias, fotos.

Quando vejo casos graves, é uma responsabilidade. Estão me pedindo ajuda. Encaminho para promotores de Justiça. Faço isso com mulheres do Brasil inteiro. Eu me sinto tão útil em proporcionar um direcionamento para outras vítimas.

O que mais eu posso querer da minha vida? Impactar outras mulheres para que elas possam acreditar na própria historia e tomar atitude. 

Tenho orgulho de revisitar minha história. Comecei a trabalhar com 12 anos em casa de família. Casei com 16 anos, trabalhei como modelo fixa da Dijon para comprar meu primeiro apartamento. Fui garota-propaganda da Calvin Klein.

As coisas que sonhava foram acontecendo. Ser ativista também era um sonho, mas aconteceu pela dor. 

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