Eliane Trindade

Editora do prêmio Empreendedor Social, editou a Revista da Folha. É autora de “As Meninas da Esquina”.

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Eliane Trindade

Não me entrego à tragédia, diz decorador que perdeu neto e nora em acidente

Jorge Elias acompanha recuperação do filho, que passou por 16 cirurgias, e se despe da persona que lhe deu fama

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Famílias tradicionais da sociedade paulistana estão enlutadas após um avião que transportava nove passageiros para um fim de semana prologado na península de Maraú, na Bahia, se acidentar em 14 de novembro.

Eduardo Elias, 6, neto do decorador Jorge Elias, morreu no último dia 12.

Antes dele morreram sua mãe, Marcela Brandão Elias, 37, e sua tia, Maysa Mussi, 27, as duas filhas do publicitário Orlando Marques. As outras vítimas do desastre são Tuka Rocha, 36, piloto da Stock Car de 2011 a 2018, e o copiloto Fernando Oliveira, 26.

O decorador e arquiteto acompanha a recuperação do filho, Eduardo Trajano Elias, 38, assim como os parentes dos outros três sobreviventes. Eduardo Mussi, 36, viúvo de Maysa, Marcelo Constantino, 28, neto de Nenê Constantino —o fundador da Gol—, e Marie Cavelan, 27, continuam internados para tratar queimaduras e traumas do acidente.

O arquiteto e decorador Jorge Elias em festa em fevereiro de 2018 - Mastrangelo Reino-2.fev.18/Folhapress

Já estava marcada a missa de 30 dias da morte da Marcela e da Maysa para o domingo, 15, quando Eduardinho morreu. Orlando e Jurema [avós maternos] concordaram em não fazer o velório da criança, para não passar aquilo tudo de novo, após terem velado as duas filhas.

Decidimos fazer uma coisa só nossa e não ficar remoendo essas emoções dias e dias. Incluímos uma homenagem ao nosso neto na missa. A Igreja Nossa Senhora do Brasil estava lotada, umas 1.500 pessoas.

Agradecemos as orações e o carinho. A missa foi linda, celebrada pelo padre que fez o casamento do Eduardo e da Marcela, auxiliado pelo que fez o batizado do Eduardinho.

O padre explicou que cremação é aceita de uns anos para cá, mas pediu para não jogarmos as cinzas no mar, no jardim. Ofereceu o cinerário da paróquia para guardar as cinzas dos três. Eles vão ficar ali do lado da gente.

Só tinha amigos lá. Todo mundo chorando, compartilhando nossa dor. Isso nos deu força. Quase não chorei, fiquei firme.

O corpo do Eduardinho demorou a ser liberado. Foi um acidente de gravidade. Tem que ser investigado. Quem são os responsáveis? Qual era a condição do avião?

Já foi assumida a falha do piloto [Aires Napoleão Guerra, que recebeu alta em 20 de novembro]. Ele não conhecia a pista, desceu antes, bateu numa guia que dividia a terra do asfalto. O trem de pouso caiu e ele desceu com uma roda só. Estourou o tanque de combustível. Foi derrapando, produzindo faísca.

O avião pegou fogo. Tinha sido abastecido para ida e volta. Se tivesse com menos combustível...
Meu neto estava internado no Hospital Albert Einstein, assim como o pai dele.

Primeiro, eles foram levados para Salvador. O governo da Bahia foi maravilhoso. O governador mandou dois helicópteros UTI de resgate.

Marcela, minha nora, morreu no acidente. Não conseguiu sair do avião.

A primeira notícia que recebemos foi de que o avião tinha explodido e todo mundo morreu. Fiquei sabendo dessa maneira. Meu genro ligou: ‘Olha, aconteceu uma tragédia. Dá uma olhada no vídeo’.

Era véspera de feriado prolongado. Estavam indo para a casa do marido da Maysa, o Eduardo Mussi, em Maraú, para passar o fim de semana.

Mussi e Maysa tinham acabado de chegar de lua de mel [em Dubai, Singapura e Maldivas], usaram o apartamento deles em São Paulo por um dia. Eles fizeram um casamento de sonho, de uma semana no Txai [resort de luxo em Itacaré, na Bahia, em 31 de agosto]. Estavam apaixonados, naquela felicidade.

Marcela e meu filho também viveram uma história de amor incrível. Tiveram esse filho que era um sonho. Tinham acabado de fazer dez anos de casados.

Foi um choque. Liguei para Jurema e Orlando, que estavam em Borda da Mata, em Minas, onde têm uma fazenda. Contei pra ela que tinha acontecido um acidente, o avião pegou fogo e a única vítima que morreu era a Marcela.

Todo mundo teve que se jogar para fora do avião por cima do fogo, nas palavras do próprio Edu. Ele saiu com o filho no colo. Queimado, mas consciente, na adrenalina.

O menino não queria descer no meio das chamas. Não havia outra solução. Edu lembra de tudo, como o avião tremeu e foi pipocando na pista. A turbina do lado dele pegando fogo. Ele tentou tirar a Marcela, mas não conseguiu. Saiu no último minuto antes de o avião explodir.

Maysa já saiu em estado grave. E não resistiu depois de quatro dias. Estava grávida. Chegou a Salvador sem condições de ser levada de ambulância para o Hospital Geral da Bahia, como os demais.

Orlando e Jurema estão passando por todo esse sofrimento com muita dignidade. Eles dizem: ‘Nós tivemos as duas filhas mais lindas, mais queridas, mais amorosas, mais felizes, mais tudo, mas Deus as levou”. Eles se confortam, assim como eu, de ter tido a chance de ter convivido com elas.

Nosso neto virou um anjinho. Elas duas também. Eram meninas que só faziam o bem. Boas filhas. Boas amigas. Boas mulheres. Trabalhavam juntas, viajavam juntas.

Meu neto fez várias cirurgias. Não sofreu tantas queimaduras no corpo, mas o rosto estava bem desfigurado.

Meu filho acordou no sábado (14), após todo esse tempo sedado. Edu tinha risco alto de morrer. Eduardinho estava muito melhor do que ele, mas piorou, e ele melhorou.

Ele não sabe da morte do filho. Se estiver deprimido, a pele não cola. Já sofreu 16 cirurgias. Vai fazer mais algumas. Não se sabe quanto tempo vai ficar na UTI. O rosto dele não queimou tanto quanto o dos demais. Ele teve lesões nos braços, na perna, nas costas.

Como ficou muito tempo tentando retirar a Marcela do avião, inalou fumaça tóxica. Queimou a traqueia. O pulmão dele ficou muito comprometido, mas Deus limpou tudo. Está com traqueostomia, mas fala. A voz é a mesma.

Edu Mussi ainda está hospitalizado. Não corre risco. Também estão no hospital o neto do Constantino e a menina.

O piloto teve alta. Desceu do avião praticamente ileso. E não ajudou a abrir as portas. Deixou todo mundo se virar.

Foram todos levados para o Hospital Geral da Bahia, referência em queimados. Graças a Deus foram para lá.

As pessoas têm mania de falar que hospital do SUS é de povão, é uma porcaria. Nada disso. O hospital é incrível, os médicos foram incríveis. Doutor Barroso, cirurgião plástico e chefe da equipe de queimados, foi um deus. Salvou a vida de todos.

Defendo o SUS. Eu não sei se funciona em São Paulo, mas vi que funciona na Bahia. E nunca vi nada igual.
O governador [Rui Costa, do PT] fez de tudo para nos ajudar. A mulher do governador. Os ministros da Defesa, da Justiça, da Saúde. Todos prestaram solidariedade.

O irmão do Edu Mussi, o deputado Guilherme Mussi [PP-SP], tem muita influência. Eu também contei com a ajuda de muitos amigos. E o mundo inteiro se comoveu. Tinha gente rezando missa e fazendo orações em Paris, Londres, Nova York. No Vaticano.

Nessa hora, o que mais conta são os amigos.

Eu acredito que tudo estava escrito. Também acredito que a Marcela veio buscar o filho. Eduardinho ia sofrer muito, ter muitas sequelas.

Estou em paz. Recebi a notícia como uma grande bomba. Depois, eu me acalmei. Minha filha, Manuela, até falou: ‘Você é muito frio’. Eu não sou, mas tinha de resolver um monte de coisa.

Disseram que Eduardinho estava salvo e ele morreu. ‘No illusions’. Aprendi isso com meu advogado: melhor não ter expectativas. A verdade é sempre melhor, por mais dura que seja. É o que eu falo para os médicos: não me enganem, não me deem esperanças que vocês não tenham.

Lógico que estou triste, mas não me entrego à tragédia. Temos que tirar proveito de tudo de bom que vivemos juntos.

Eu não deixei de ser um bom pai. Tivemos uma vida intensamente em família. Infelizmente, minha separação foi traumática. Minha ex-mulher [Lucila Elias] me decepcionou ao contratar uma advogada que destruiu nossa vida privada e emocional. Isso tocou meus filhos, que ficaram no limiar de quem estava certo, quem estava errado.

Fui morar num hotel. Fiquei sozinho, sem casa, sem filhos, sem nada. Esses anos de distanciamento me prepararam para receber a notícia do acidente um pouco mais friamente. Se tivesse vindo num período de felicidade, como a gente vivia antes, eu não teria a força que tenho hoje.

Eu era uma pessoa muito materialista. Vivo em um mundo de luxo. Vendo requinte, superficialidades. Mudei muito. Fiquei brigando com minha ex-mulher até por toalha de banho. Isso não vale nada quando se perde alguém que se ama.

Valeu ter brigado por quadro? Por imóvel? No fundo, nada disso faz falta na vida.

O tempo todo meu filho teve que ser um mediador entre eu e a mãe dele, o que não era confortável. Não posso deixar de falar dessas coisas, isso tudo faz parte do acidente.

Eu me separei de fato há dois meses, depois de quatro anos de briga. Fiquei os últimos seis meses fora do Brasil por conta de uma ordem de prisão do juiz a pedido da minha ex-mulher. Por não pagar pensão.

Tenho muita mágoa de ter ficado tanto tempo longe dos meus filhos, por desentendimento babaca por dinheiro. Não vou esquecer dessa privação. Não sou bandido. Não tinha dinheiro para pagar pensão.
A ordem de prisão foi suprimida, após meses de negociações. Eu tenho um apartamento em Nova York. Fiquei lá e gastava muito pouco. Vivi de favores. Cheguei de volta e cinco dias depois acontece o acidente.

Não tinha visto ainda meu filho nem meu neto.

Agora muitos dizem: ‘Você e sua ex-mulher estão vivendo essa situação dramática, por que não voltam a ter uma relação normal?’ Não consigo. Tragédia não une ninguém. É clichê usar a dor para unir pessoas. A gente se viu, mas eu de um lado, ela de outro.

A vida é frágil. Temos que viver com a maior intensidade possível. Dar amor e carinho para todo mundo. Tive muitas surpresas agradáveis com meus amigos.

Todo mundo falava: ‘Agora que você saiu daquele palácio, não vai dar mais festas, seus amigos vão sumir’. Meus amigos foram ainda mais amigos depois que passei a ter muito menos. Sou mais simples, mais gentil, mais aberto.

Deixei de ser a personagem que minha carreira impunha. Um Jorge Elias que nem eu mesmo sabia quem era. As pessoas te conhecem através da mídia. Tanto que tive problema em relação ao juiz, quando me separei. Eu falava que a situação estava grave, que o Brasil mudou economicamente. Não era mais aquela pessoa que tinha aquela casa, aquele status.

Meu escritório não está indo tão bem, como todos os escritórios de decoração e tudo mais no Brasil. Mas o juiz dava um Google e eu só aparecia em festas, em grandes casas, de smoking. O juiz não acreditava, tanto que instituiu uma pensão que eu não era capaz de honrar. Nem os meus amigos trilhardários pagam uma pensão tão cara quanto eu paguei.

Meu Google foi denunciante. As pessoas têm de saber que isso acontece. ‘Take care’ [tome cuidado] com aquilo que a mídia e as redes sociais fazem você parecer.

Mudei depois que saí daquela casa, que antes significava tudo e era meu château. Vi que podia ser outra pessoa sem nada daquilo. Sem aquele bando de empregado que me odiava. Aprendi a fazer um monte de coisa. Não sabia abrir geladeira, cozinhar, ligar o fogão, o micro-ondas. Nem sabia tirar dinheiro no banco. Pegar metrô. Andar sem chofer.

Estou morando no escritório. Minha vida hoje é trabalho, amigos e amores. Sou muito querido, me sinto cortejado. O amor rolou. Vários. Não só de homem com homem, mas de homem com mulher, de amigos. Amores homo, hétero, diversos.

Não gosto de rótulo: ‘Ah, ele mudou porque separou da mulher e ficou gay’. Ridículo. Acho isso megacafona. Sempre fui gay. Meus filhos sempre aceitaram minha vida privada.

Este ano vai entrar para historia da minha vida como de aprendizado. Recebi muita luz de todas as religiões. De rabinos, do candomblé, da umbanda, do espiritismo e de evangélicos. Tudo leva a Deus.
Entrei num grupo de oração. Vou começar a participar das obras da igreja, fazer benemerência e vou estar mais perto do meu neto.

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