Eliane Trindade

Editora do prêmio Empreendedor Social, editou a Revista da Folha. É autora de “As Meninas da Esquina”.

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Descrição de chapéu Dias Melhores

Universitária com paralisia cerebral vira fenômeno no TikTok

Com quase meio milhão de seguidores, vídeos de Clara Marinho viralizam ao mostrá-la como portadora de deficiência atuante e desenvolta

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"Deficiência é diferente de doença", foi com essa fala direta que Clara Marinho conquistou mais de 440 mil seguidores no TikTok e se tornou fenômeno nas redes sociais durante a pandemia.

No começo da quarentena, confinada em casa como todos que seguiram o protocolo de distanciamento social para se proteger do novo coronavírus, a brasiliense de 21 anos começou a postar vídeos despretensiosos nas redes sociais onde é conhecida por Clarinha Mar.

Para sua surpresa, os conteúdos viralizaram com uma mensagem poderosa contra o preconceito para com pessoas portadoras de deficiência como ela.

"Oi meu povo, tudo bem? Tem muita gente perguntando o que eu tenho. Primeiro, não, eu não sou doente", explica a universitária, em vídeo postado em 20 de abril que já teve mais de 2 milhões de acessos em todos os canais da influenciadora digital.

"É surreal ver toda essa repercussão. Considero o que falo muito simples. Não fazia ideia de que ia bombar tanto."

Foi assim que a portodora de paralisia cerebral resultante de complicções no parto, filha de um músico e de uma dona de casa, viu-se como ativista pela inclusão com uma voz que ganha potência na internet.

"Cada pessoa é única, do jeitinho dela", diz, ao descrever os diferentes graus e tipos de deficiência.

A blogueira neófita supera dificuldades de fala com uma articulação pausada das palavras. Após os primeiros segundos, as legendas podem ser dispensáveis. As falas contundentes vão conquistando seguidores. "Deficiência também não é burrice."

As ideias fluem concatenadas e inteligentes. A empatia faz o resto. "A palavra que tá na moda, né? Mas o que significa empatia?", pergunta Clara. "Pra mim, não significa se pôr no lugar do outro até porque nós nunca saberemos pelo que o outro passa realmente."

Na sequência, ela chega a uma definição própria: "Empatia é ter consciência de que por baixo dos medos, das angústias e dos defeitos do outro, o outro é igual a mim. Pelo simples fato de ser de carne e osso. Como eu. Empatia para mim é ter consciência. Ter consciência é saber existir. "

Clara adora as palavras e faz bom uso delas, como estudante de Letras e apaixonada por literatura.

Mundo que se abriu em família, pela influência do pai, professor de violão da Escola de Música de Brasília. “Um lado de mim é palavra. E do outro, a arte se apossou”, escreve ela em um dos posts no Instagram, onde já tem mais de 170 mil seguidores.

Foi em casa que Clara aprendeu que podia ir além. "Desde pequenininha, meus pais quiseram que eu fizesse tudo que uma criança sem deficiência faz. Minha socialização foi muito boa."

A escola foi outra âncora. "Sempre estudei em escola pública e regular." Foi matriculada aos 4 anos e estimulada continuamente até chegar à universidade.

"Meus pais me incentivaram a estudar, comprando livros e materiais de que eu precisava para me desenvolver."

Em 2018, foi aprovada pelo Enem no curso de letras da Universidade de Brasília. Está no quinto semestre e deve levar mais dois anos para se graduar. Cansou de ouvir: "Se concluir o ensino fundamental está bom". Depois: "Se fizer o ensino médio é ótimo".

"Ah é? Então, eu decidir continuar. Não para provar para as outras pessoas mas para mim mesma. Entrar na faculdade foi uma dessas provas. Mesmo que a sociedade imponha limites, sempre me testei. Eu não tenho limites."

Um das barreiras superadas é a da escrita. O ato de escrever demanda movimentos finos que as dificuldades motoras decorrentes de sequelas da lesão cerebral a impedem de fazer. "Escrevo pouco à mão, por isso sempre usei o computador para fazer trabalhos de escola e de faculdade."

No ambiente universitário, o processo de inclusão está em construção, diz ela. Um exemplo é poder frequentar o bandejão, uma vez que não tem autonomia para se servir na hora de se alimentar. "Eu parava as pessoas e perguntava: "Tudo bem? Posso almoçar com você? Eu não consigo preparar meu prato".

A abordagem direta costuma dar resultado. Quando a simpatia não resolve, ela dá um jeito de seguir em frente. "Inclusão é um passo de cada vez."

A luta contra preconceitos é diária. "É difícil estar numa condição de as pessoas te julgarem como se você fosse de outro mundo. O que faço com isso? Devolver o ruim com o ruim não é coisa boa. Pego o preconceito que recebo e tento devolver em forma de educação."

Um exemplo é a infantilização que sua condição pode suscitar. "Quando me tratam como criança, em vez de ficar com raiva, eu digo: ‘Não precisa falar assim, pode falar normal, eu entendo’. Vou ensinando a pessoa."

Toda essa experiência, ela vai compartilhar no congresso Genética Não É Destino, em 31 de agosto. Clara foi convidada também para gravar seu depoimento no formato de Ted Talks, série de conferências globais destinadas à disseminação de ideias com personagens inspiradoras como a brasileira.

Uma professora da UnB incentivou a veia de palestrante motivacional, profissão que aparece em seus perfis, ao lado de "escritora em construção". O último dado é a paralisia cerebral, que não a define.

Uma postura que vem conquistando seguidores famosos, como Leticia Sabatella. A atriz repostou um vídeo no qual Clara discorre sobre um tipo específico de preconceito, o "capacistismo".

Ao longo de quase quatro minutos, Clara explica do que se trata o termo, junção da palavra capacidade com o sufixo ismo. "É comum as pessoas me julgarem como alguém com menos capacidade de fazer alguma coisa."

Ela usa o próprio exemplo como portadora de tetraplegia mista, que afeta a capacidade motora. "Eu não vou conseguir fazer tudo que uma pessoa sem deficiência faz. Amarrar um cadarço eu não sei. Nem por isso eu sou inferior a alguém. Capacitismo é dizer que uma pessoa com deficiência é incapaz de exercer uma função ou de pensar por si."

A clareza de argumentos é a arma mais eficiente, diz ela, para estraçalhar os preconceitos contra aqueles que fogem dos padrões. "Só se quebra isso levando conhecimento .É assim que a gente cresce: com perguntas."

Como exemplo de autoestima e superação, ela tem se agigantado ao questionar padrões e limites, .

Ter se tornado fenômeno nas redes sociais chacoalhou o mundo da jovem brasiliense. “Antes dessa correnteza, eu sonhava terminar o curso e viver da minha escrita, mesmo sendo bem difícil. Com essa explosão nas redes sociais, não sei mais. Vivo um dia de cada vez, muita coisa nova.”

O lema de Clarinha Mar é: “Não me machuca se eu não conseguir. Me ajuda a tentar de novo. Disse a vida ao tempo, e o tempo ao querer”.​

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