Eliane Trindade

Editora do prêmio Empreendedor Social, editou a Revista da Folha. É autora de “As Meninas da Esquina”.

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Descrição de chapéu tecnologia

Alok destina lucro milionário com Free Fire para combate à pobreza

DJ brasileiro cria instituto com R$ 27 milhões para causas sociais no Brasil, doa R$ 6 milhões para a África e vende avião para não demitir na pandemia

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O ano de 2020 foi o da paternidade para Alok, 29, brasileiro que é o quinto DJ do mundo no ranking da "DJ Mag".

Artista nacional mais ouvido no Spotify, além de personagem do Free Fire, game mais baixado no planeta, o DJ passou o ano da pandemia cuidando da prole recém-nascida.

"Tive três filhos em 2020", resume ele, referindo a Ravi, o primogênito nascido em janeiro; à caçula Raika, que veio ao mundo em dezembro; e ao Instituto Alok, lançando no mesmo mês.

Os dois últimos rebentos chegaram em um momento de turbulência, em meio ao diagnóstico positivo para Covid-19 de Alok e de sua mulher, Romana.

"Para mim foi assintomático, mas ela estava no último mês de gestação e teve trombose na placenta", relata ele, sobre uma das complicações mais graves da doença em gestantes.

"Muitas mães não sobreviveram Foi um sinal de alerta passar esse informação pra frente, para que as grávidas tomem cuidado redobrado."

Trancado em casa com a família, o DJ, que passava metade do ano fora em shows ao redor do mundo, ainda se pergunta como se contaminou.

"Não dá para saber. Fiz testes, sempre me cuidando pra caramba, mas estava superestressado e com imunidade baixa às vésperas do lançamento da minha mega live", relata.

Após o susto, Alok voltou a se dedicar ao instituto criado a partir de uma doação de R$ 27 milhões, renda do licenciamento do seu personagem no Free Fire, um fenômeno global.

Além desses recursos destinados a projetos sociais no Brasil, o brasileiro também vai doar outros R$ 6 milhões para ações na África. Deve anunciar em breve doação também para Índia.

Para a direção executiva do braço social do seu trabalho, o DJ convidou o tio, Devam Bhaskar, voz respeitada no terceiro setor, como ex-representante da Fundação Avina no país.

"O instituto tem o DNA do Alok, é movido por compaixão mas pragmático quando incentiva o empreendedorismo. A ideia central é gerar oportunidades para aqueles que têm menor acesso à educação e crédito", explica Bhaskar, nome espirtual adotado por Geraldinho Vieira, que é também jornalista, casado com a fotógrafa Mila Petrillo, irmã do pai de Alok.

As andaças do artista pela África, pelo Sertão e entre os índios vão moldando seu papel de filantropo e investidor no campo social. "Resgato experiências que tocaram meu coração trazendo tudo isso para o instituto."

Diz a lenda que o nome Alok (luz em sânscrito) foi escolhido pelo guru Osho, quando seus pais viajaram para a Índia.

"Essa é a história bonita. A real é que quando eu e meu irmão gêmeo nascemos fomos batizados com os nomes dos nossos tios, Bhaskar e Alok", esclarece o DJ, entre risos. O irmão, também famoso na cena da música eletrônia, ganhou a alcunha de "Deus Sol".

A seguir, os principais trechos da entrevista por videoconferência, na qual Alok fala de filantropia estratégica, carreira, fama, depressão, games e o poder de transformar vidas.

PROPÓSITO

A busca pelo sentido da vida é uma coisa que sempre me perseguiu. Por que estou aqui? É a pergunta que me faz levantar todos os dias.

Eu falava muito que queria deixar um legado, mas ficava no campo subjetivo. O que é legado? Acredito que seja transformar a vida das pessoas.

Fui impactado por outras pessoas, como o empresário Wagner Moura e o médico Andrei Moreira, da ONG Fraternidade Sem Fronteiras, e o médium Divaldo Franco, e me transformei. Por isso, no meu template Alok Game Changer me conecto com o público para transformar vidas através do game.

Faço campeonatos, ligas. Dentro desse lugar, procuro sempre trazer um diálogo profundo. Busco deixar esse planeta um pouco melhor. É isso que me preenche.

DEPRESSÃO

Eu tive um colapso aos 9 e aos 12 anos. Foi depressão mesmo, o que era tabu. Como assim, uma criança? Era difícil explicar. Diziam: ‘É preguiçoso, desinteressado’.

Se você quiser ter um diálogo contundente com teu filho, abra o Free Fire que ele vai te dar atenção.

Quando eu jogava videogame aos 12, era uma fuga. Queria muito que tivesse alguém para poder falar, conduzir assuntos importantes, para eu saber que não estava sozinho.

Já aos 24, a minha depressão veio ao questionar qual é sucesso verdadeiro. É ter dinheiro, fama, bens materiais? Eu tinha tudo isso, era o número 1 do Brasil e me achava o cara. Fui ensinado que o sucesso era isso. Mas não pode ser.

INSTITUTO ALOK

Quando fiz parceria com a Garena [empresa de Singapura detentora do Free Fire] e me tornei um personagem do game, eles perguntaram qual habilidade eu gostaria de ter no jogo. Falei que gostaria de poder curar as pessoas.

Ao colocarem isso dentro do jogo, vendeu pra caramba. Foi um fenômeno incrível.

Quando entrou uma grande parte de recurso pra mim, abri mão de todo o meu lucro. Com esse montante, veio a necessidade de ter o instituto para fazer investimento social com inteligência.

Minha carreira só faz sentido se eu puder ajudar. E vice-versa. Eu só posso ajudar se tiver minha carreira indo bem. São dois alicerces.

Posso contribuir não só com capital mas com minha imagem e alcance. A visibilidade é um lastro e ativo importante do instituto.

São R$ 27 milhões exclusivos para o Brasil. Cerca de R$ 2 milhões já foram usados. No socorro a Manaus e também destinados para várias frentes de empreendedorismo, combate à desigualdade e para levar dignidade à vida das pessoas.

Já apoiamos a Gastromotiva, a Feira Preta, o Natal sem Fome. Temos propostas bem definidas.

Quando fomos apoiar Manaus [no colapso da pandemia], apareceu uma pauta para ajudar na pesquisa sobre e a nova cepa do coronavírus. Isso não é pra gente. Se eu coloco R$ 5 milhões não muda nada.

NO SERTÃO

Quando fui pela primeira vez ao semiárido, as pessoas não acreditavam mais nem olhavam no meu olho. Não sei se já tinham sido muito enganadas.

Investimos R$ 500 mil neste projeto Vila da Esperança, em Rio do Vigário (BA). Fui duas vezes lá. Pousava em Canudos, a 110 km.

Quando voltei, depois de cinco meses, já tinham sido feitas 19 casas em parceria com Ama e Avina, um trabalho incrível de levar água.

Essa energia fez tudo mudar. Ficou florido. Todo mundo me abraçava. As crianças piravam. Durou pouco a coisa do anonimato. Não tinha água, mas tem televisão. Eu era o DJ Alok, que foi no Faustão.

A escola mais próxima da vila fica a 80 km. Não posso entrar nessa esfera que é do governo, da prefeitura. Vou criar a escola? Quem vai fornecer o professor? São todos problemas crônicos.

Entramos no essencial, moradia e água, centro de convivência.

O interessante foram as colaborações que criamos no caminho para as coisas acontecerem. Sozinhos não vamos conseguir fazer a grande transformação.

ENTRE OS ÍNDIOS

Estamos trabalhando também com os Yawanawa, uma aldeia indígena do Acre que mantém sua essência muito viva, mas trilha um caminho interessante de empreendedorismo.

Para chegar lá, foram não sei quantos voos até Cruzeiro do Sul mais 13 horas de carro e 9 numa voadeira.

Fui numa procura profissional. Sabia que eles tinham cantos bonitos. Acabou sendo mais profundo, espiritual. Aprendi demais em relação à perspectiva de vida.

Eu ficava me perguntando o que é que índio faz o dia inteiro, Quando você chega lá entende que não existe cultura mais ou menos desenvolvida, existem valores diferentes.

Foi uma forma de ressignificar tudo. Fiz o uni [ ritual com ayahuasca] e o Kambô [com veneno de sapo], uma limpeza [espiritual]. É difícil narrar o que senti, mas vi vários milagres acontecendo ali.

NA ÁFRICA

A partir dos 24 anos, comecei a fazer trabalhos mais imersivos na África. Entendi lá que não foi Deus quem abandonou eles. Fomos nós. Eu era o miserável de alma.

Estou fazendo uma doação de R$ 6 milhões para a África em projetos da Fraternidade sem Fronteiras, ONG que confio muito.

Sei que o dinheiro vai ser usado da melhor forma possível. Obviamente, colocam-se métricas e parâmetros para uma gestão eficiente e resultados.

MUNDO GAMER

O Free Fire tem a sua própria rede de interação. As pessoas também usam muito o Discord para se comunicar.

Ali você não está jogando contra o computador ou passando de fase. Joga com outras pessoas. O jogo ajuda a entender que o mundo tem desafios. Você vai perder e tudo certo.

O interessante nesse jogo é que no fundo ele não é de matar, é de sobrevivência.

A grande responsabilidade são dos influencers à frente do Free Fire, os criadores de conteúdo. É onde eu entro.

Muita coisa tem melhorado. Até no discurso. Quando entrei, era muito tóxico. Fui entender o porquê.

Os influencers que o seu filho estava vendo no YouTube e outras plataformas falavam coisas sem pensar. Foi aí que entendi o meu papel.

Se o cara faz um comunicado feminicida, a gente faz ‘react’ daquilo. A Garena recebe a informação e bane o jogador. Tira o IP do cara, que não pode mais nunca jogar. Acabam sendo duros, gera debate.

Também trago mulheres para explicar como é o relacionamento delas com o game. O Free Fire tem a maior comunidade feminina no mundo dos games

No primeiro campeonato que fiz, exigi que todo time tivesse pelo menos uma mulher. Bombou. No segundo, as meninas falaram que queriam entrar com time próprio. Abrimos para mil times femininos.

NA PANDEMIA

A pandemia foi importante neste resgate do essencial. O lockdown foi um momento em que pude me reconectar com a minha família. Meu filho tinha acabado de nascer.

Estava fazendo quase 300 shows no ano. Uma insanidade. Eram cinco meses e meio fora do país. Em 2020, estava com previsão de ficar seis meses fora. Um ritmo desenfreado, que não me fazia bem.

Não quero mais voltar ao ritmo de antes. Quero ter uma vida mais equilibrada.

Em relação à questão financeira é um baque. Principalmente para a indústria do showbiz. Muita quebradeira.

Os shows não voltaram. Estou segurando a onda de todos os meus funcionários. Passam de 40 pessoas que dependem do meu trabalho.

Queimei todo o recurso que tinha na empresa. Estou vendendo meu avião para continuar. Se eu não fizer isso, não sei como vai ficar.

E na questão social, a desigualdade ficou ainda mais visível. O instituto veio em hora coerente, para atuar de forma cirúrgica, inteligente. Não quero passar a visão de um salvador da pátria, mas é o que dá sentido à minha vida.

Alok em números

Top 5 DJ do Mundo, no ranking da "DJ "Mag, em 2020.

24,2 milhões de seguidores no Instagram

1 bilhão de visualizações no Youtube

17,7 milhões de ouvintes mensais no Spotify (brasileiro mais ouvido na plataforma.)

40,9 milhões de views na plataforma Alok Game Changer

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