Eliane Trindade

Editora do prêmio Empreendedor Social, editou a Revista da Folha. É autora de “As Meninas da Esquina”.

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'Divo da maquiagem' tem 3 milhões de seguidores e Michelle Bolsonaro entre fãs

Agustin Fernandez deixou vida de pobreza e abusos no Uruguai para construir carreira de sucesso no Brasil, onde foi hóspede no Palácio da Alvorada

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O maquiador Agustin Fernandez

O maquiador Agustin Fernandez tem 3 milhões de seguidores no Instagram Trampas/Divulgação

"Maquiagem é poder", afirma Agustin Fernandez, em cursos online de automaquiagem que alavancam sua carreira meteórica no Brasil.

Poder de transformar o visual andrógino e a vida deste uruguaio de 29 anos.

Com sobrancelhas demarcadas por rímel transparente e lábios contornados por batom nude ou vermelho, o maquiador personifica a autotransformação: de menino pobre no Uruguai e imigrante a influenciador digital e empreendedor de sucesso no Brasil.

"Sempre achei maquiagem algo sublime. A pessoa senta na cadeira e sai transformada", diz ele, ao compartilhar truques para ninguém sair de casa ou aparecer de cara lavada em uma live.

Com a alcunha de "divo", ele contabiliza 3 milhões de seguidores no Instagram e uma linha de 300 produtos de beleza. Números superlativos de uma trajetória feita de resiliência, carisma, sorte, tino comercial e polêmicas.

"Quando conto minha história, ninguém acredita", diz Agustin, sobre a infância marcada por abandono e abuso. "Aos 8 anos, eu tomava conta da casa e dos meus irmãos menores. Trocava fraldas, lavava roupa, fazia arroz, esquentava leite."

Os professores perguntavam onde estava sua mãe, quando o viam chegar na escola com odor de xixi.

"Hoje sou a pessoa mais cheirosa do mundo", afirma. Agustin coleciona centenas de frascos de perfumes no banheiro do seu apartamento no Morumbi, em São Paulo.

Conquistas de quem cresceu em um barraco no seio de uma família desestruturada. "Depressiva, minha mãe ficava o dia inteiro na cama e os sete filhos sem nada para comer."

Agustin conta que buscava sobras na padaria do bairro no fim do dia. Lembrança que remete a abuso sexual. "No caminho tinha um velho que me tocava e dava dinheiro para comprar leite."

Devia ter uns 12 anos, calcula. "Era afeminado, mas não tinha consciência de ser gay. Só fui ter relações homossexuais voluntárias bem depois."

Na adolescência, começou a trabalhar como assistente em um salão de beleza em Montevidéu, onde teve contato com clientes brasileiras. "Elas me davam gorjetas de R$ 5, uns 50 pesos uruguaios na época. Era muito dinheiro."

Colocou na cabeça que ia ganhar bem mais no Brasil. Decidiu cruzar a fronteira em busca de oportunidades. "Foram 18 horas de ônibus. Chorei o caminho inteiro", recorda-se. Emociona-se novamente ao falar da dor de deixar para trás os irmãos.

Desembarcava, aos 17 anos, em Florianópolis, com R$ 800 no bolso. Memórias que serão relatadas na autobiografia "Sucesso", com previsão de lançamento em dezembro.

Só tinha o contato de uma uruguaia, de quem foi hóspede até arrumar vaga para limpar chão e fazer café em um salão. Uma cliente ofereceu a casinha de fundos para ele morar pagando um aluguel camarada. "O brasileiro é acolhedor. No Uruguai, o povo é mais frio."

Sem documentação para trabalhar legalmente no país, os primeiros anos foram de instabilidade.

"Trabalhei em vários salões e não ficava mais de um ano em um emprego. Começava a ter muitos clientes, enchia minha agenda e ia para um maior faturar mais."

Encarou períodos de desemprego. "Fui mandado embora de um salão e apelei para a prostituição como última opção." A experiência remete a um passado doloroso. "Tinha referência do pior que podia me acontecer, pois minha mãe foi prostituta."

Fato que não esconde em tempos de bonança. "Falo livremente de tudo, sem ocultar nada. Se descobrissem, iriam usar isso contra mim. Tenho orgulho da minha história."

Como ficava ocioso durante o dia, ele conta que foi fazer trabalho voluntário. Ia maquiar pacientes oncológicas em um hospital, onde conheceu Flávia Flores, blogueira e autora do livro "Quimioterapia e Beleza".

"Flávia fez um vídeo nosso ensinando como corrigir olheiras e a colar cílios no período de quimioterapia. Viralizou e minha agenda encheu." Isso faz sete anos. "Foi mítico. Entendi o poder da internet."

Com a papelada em dia e os tutoriais de maquiagem nas redes sociais bombando, o uruguaio dava início à escalada como empreendedor.

"A partir dos vídeos, meu crescimento foi muito grande. Da noite para o dia, comecei a colher tudo o que plantei."

Em 2017, decidiu se mudar de Florianópolis para São Paulo, à medida que viajava pelo país para dar palestras. Cobrava R$ 3.000 por um evento de duas horas.

Aos domingos e segundas, dias de salões de beleza fechados, lá estava Agustin em Manaus, no Nordeste e onde mais fosse requisitado. "Conheci o Brasil de ponta a ponta."

Faturava R$ 30 mil por mês. "Era muito dinheiro para um jovem de 24 anos que veio do nada. Na minha cabeça, durante muito tempo, rodava esse software antigo." Tinha medo de precisar se prostituir de novo. "O que me fazia trabalhar mais e mais."

Prestes a completar 30 anos, orgulha-se da casa própria e do negócio de produtos de beleza e joias, com 50 pontos de revenda e e-commerce.

A empresa ocupa um escritório de 600 metros quadrados com 60 colaboradores para atender uma média de 4.000 clientes por mês na loja virtual.

E foi entre pincéis e bases que o uruguaio galgou status de "maior maquiador do Brasil", como se intitula, pelo critério de seguidores na internet.

Tem quatro vezes mais fãs no Instagram do que nomes consagrados, como Fernando Torquato, "fotógrafo e beauty artist" de grandes estrelas nacionais.

Entre as seguidoras fiéis de Agustin está a primeira-dama Michelle Bolsonaro, que ele considera uma amiga e com quem postou foto preparando pamonha na cozinha.

"Ela é muito especial na minha vida. É parte grande da minha cura, ao me ensinar a não ter medo de me relacionar com as pessoas e a perdoar a minha família."

Os dois se conheceram pelo Instagram e se encontraram pela primeira vez em uma visita ao Hospital de Barretos, onde ele foi ministrar curso de automaquiagem para pacientes com câncer.

O maquiador diz ter encontrado nos Bolsonaro uma família, a ponto de passar um Natal e ganhar festa de aniversário surpresa no Palácio da Alvorada.

Em agosto de 2020, Michelle providenciou uma comemoração na residência oficial da Presidência da República para o maquiador, com direito a vídeo para o homenageado e docinhos com logomarca Louis Vuitton.

Na página oficial do maquiador já não aparecem as postagens, mas basta uma busca pela hashtag Agustin Fernandez para encontrar imagens da festa com toda a família presidencial.

Proximidade que gerou cancelamentos nas redes sociais e um desabafo público do uruguaio.

"Só eu sei o que vivi em 2018, a ponto de ficar fora do Brasil, pois recebia ameaças de morte por apoiar Jair Messias Bolsonaro, um homem do bem, que me adotou como um filho, mesmo com fama de homofóbico. Logo eu, né? Um gay, afeminado, que se veste de mulher."

No mesmo post, ele também agradeceu o carinho por ter feito parte da comitiva que foi a Montevidéu para a posse do presidente uruguaio Luis Lacalle Pou, em 1o de março de 2020.

"Ele me levou para o Uruguai, meu país natal, onde já me prostitui por um prato de comida, pra eu ter uma ‘volta triunfal’ como o Agustin que sou hoje."

Fatos que ele preferiu não comentar na entrevista à Folha, concedida com o compromisso de que política não seria o foco.

Agustin faz questão de dizer que não é o "maquiador de Michelle Bolsonaro, nem de Suzana Vieira ou de qualquer celebridade".

Alfineta colegas que usam famosas para alavancar a carreira. "Sou apenas um maquiador. Nem blogueiro nem celebridade."

Os posts em hotéis de luxo e de viagens glamorosas pelo mundo não o fazem tirar os pés do chão, diz ele. No quadro Cozinha do Divo no Instagram, ensina a fazer "miojo sofisticado".

Mostra as meias rasgadas pelos quatro cães de estimação, em foto estirado na poltrona da primeira classe de um voo internacional.

"Tenho medo de ir para outro extremo, que é o do deslumbramento. Meu maior luxo é ter um quarto só pra mim e banheiro com água quente. E poder comer iogurte com sucrilhos no café da manhã."

Pequenos e grandes prazeres que, segundo ele, vão ajudando a curar traumas do abandono, dos abusos e do desterro voluntário.

Agustin conclui que a aventura em terras brasileiras foi mais do que compensadora. "Eu amo o Brasil, amo as pessoas, aqui me sinto em casa. Quero honrar esse país que me deu tudo que tenho."

Encerra a conversa com a Folha, pedindo para ser retratado com fidelidade. "Existem pessoas por trás das escolhas políticas. Tenho meus perrengues, mas sou do bem."

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