Eliane Trindade

Editora do prêmio Empreendedor Social, editou a Revista da Folha. É autora de “As Meninas da Esquina”.

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Eliane Trindade
Descrição de chapéu skate

'Esporte de alto rendimento é o oposto de saúde', diz skatista Karen Jonz

Atleta pioneira no skate e comentarista do SporTV conta como superou uma depressão e ressignificou a carreira

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"Ando de skate, faço música e crio filho", define-se Karen Jonz, 37, em sua conta no Instagram, que tem 624 mil seguidores, quase 300 mil a mais do que o marido, Lucas Silveira, vocalista da banda Fresno e pai de Sky, 5, filha única do casal.

A tetracampeã mundial de skate vertical (2006, 2008, 2013 e 2014) e campeã do X-Games em 2008, modalidade que não está nas Olimpíadas de Tóquio, viu sua popularidade crescer como comentarista dos Jogos pelo SporTV.

Mulher sentada de cabelos longo, de lado, usando calça jeans, com céu azul ao fundo
A skatista Karen Jonz é também comentarista da SporTV nas Olimpíadas de Tóquio - Instagram/karenjonz

Com sua verve e espontaneidade, a santista vem desmontando comentários machistas e ganhando fãs para além das pistas de skate, nas quais fez história como uma das pioneiras do esporte no Brasil.

"Quem me conhece, sabe que sou espontânea. Não é planejado."

A seguir, ela usa a mesma franqueza em entrevista à Folha. Fala sobre o começo em competições com meninos e a briga para igualar as premiações do masculino e do feminino.

Jonz relata também que superou uma depressão em 2010, quando se sentia só em meio a um gap geracional no esporte e a cobranças, fatos que a fizeram ressignificar a carreira e reencontrar o prazer de andar de skate.

O ano em que Rayssa Leal nasceu foi o mesmo em que eu ganhei o meu primeiro mundial. Acho que a estrela do skate brilhou em 2008. Eu fico muito feliz por ter feito parte dessa história e por ter aberto várias portas para essa nova geração.

E essas Olimpíadas são da internet e das mulheres. Espero que elas brilhem ainda mais daqui para frente e que tenhamos ótimos frutos disso tudo.

Quando comecei a andar de skate eram poucas meninas. Havia muito a ser desbravado. Não tinha nem sequer categoria feminina nos campeonatos. Comecei com 17 anos. Eu me sentia velha, mas percebi que nunca é tarde. Foi na hora certa.

Ao longo desses 20 anos, participei da construção do skate feminino. Se não tivesse tido uma Leticia Bufoni, uma Karen Jonz, uma Patiane Freitas, não teria uma Rayssa com nível tão alto e andando tão feliz hoje em dia. Claro que o mérito é todo dela, mas a história importa também.

Quando fui trabalhar numa revista de skate, nunca tinha saído uma mulher na capa. Fiz a movimentação para colocar Patiane Freitas [primeira skatista do Brasil a ingressar na categoria profissional nos EUA] como primeira skatista na capa da Tribo em 2005.

Os caras diziam que a gente não tinha nível para estar numa revista. Não faziam fotos nossas.

Ao mesmo tempo que essa visão existia, eu era acolhida. Sempre andei de skate com meninos, tenho grandes amigos que me defenderam, foram super parceiros e vibravam com minhas conquistas.

Não era aquela coisa explícita de ser excluída, mas muitas vezes havia atitudes machistas, coisas que ninguém percebe.

O jeito como tudo estava organizado não me beneficiava. Era injusto que eu não pudesse participar de campeonatos com meus amigos.

É um bom paralelo com o episódio da entrevista em que o repórter me apresentou dizendo que eu era famosa por ser esposa do Lucas. Eu tenho orgulho de ser mulher do cara da Fresno. O que não foi legal foi a colocação do repórter.

Ele não teve a intenção de me atingir, mas até mesmo pessoas bem-intencionadas, às vezes, são machistas só por repetir esse discurso.

Assim também é com atitudes racistas. A pessoa acha que não está fazendo nada até estudar e entender que sua atitude prejudica o outro. Quando você se conscientiza, começa a mudar.

Comecei no skate em 2000. Um ano depois, participei do primeiro campeonato. Queria competir com os meninos e eles não deixavam. Não sabiam o que fazer comigo. Era inédito. Pode ou não pode?

Em 2003, eu fui pra Europa pela primeira vez e acabei campeã do circuito europeu. Paralelamente, no Brasil, eu corria com os homens. Competia com Sandro Dias e Edgar Vovô, que agora é técnico.

Só fui pra Europa porque no Brasil não tinham meninas em número suficiente para competir no vertical. Os meus amigos me disseram que lá tinha feminino, que as meninas andavam bem e havia premiação em dinheiro.

Detalhe: a inscrição era 150 euros e a minha primeira premiação foi de 80 euros. Eu pagava para competir.

A gente brigou para igualar os prêmios no masculino e no feminino. Era discrepante. Enquanto as mulheres ganhavam US$ 10 mil ou US$ 15 mil, os homens recebiam US$ 50 mil.

Nos organizamos e ameaçamos boicotar os eventos. A premiação no X-Games só foi igualada em 2009. Fui campeã em 2008, antes já tinha ganhado o mundial. Mas nunca foi muita grana.

Eu tinha um patrocínio de skate, mas não era o suficiente para me manter. Eu contava com a grana dos campeonatos.

No Brasil não tinha estrutura, não tinha pistas nem material. Não tinha incentivo. Tive de me mudar para os Estados Unidos para conseguir me desenvolver. Meu custo de vida era bem mais alto do que morar no Brasil, na casa dos meus pais.

Minha família sempre foi tranquila em relação ao skate. Meu pai é surfista. Não foi um choque tão grande. Eles eram bem neutros, não incentivavam nem proibiam.

Eu comecei a vender bolo de banana na escola pra juntar uns trocados e comprar meu primeiro skate. Eu queria ganhar um de presente, mas no Natal me deram uma guitarra. No meu aniversário, uma prancha de surf. Tentaram despistar, mas não rolou.

Meus pais me apoiam, são orgulhosos das minhas conquistas, mas sempre mantiveram um distanciamento saudável. Não se aproximaram o suficiente para me cobrar resultado, nem ficaram distantes demais a ponto de não apoiar.

Comecei a andar de skate no último ano do colegial. Continuei quando fui cursar rádio e TV e trabalhava na rádio da faculdade e depois na redação da revisa de skate. Cheguei a fazer estágio na Globo. Não trabalhei mais na área até ser chamada para comentaristas no SporTV.

Eu achava que dava conta de tudo, mas o preço bateu. Tive uma depressão em 2010, tomei remédio, fiz tratamento psiquiátrico, melhorei bem.

Eu entendo perfeitamente a Simone Biles. Quanto mais você começa a ganhar e a se destacar mais pressão vai sofrer. Atleta tem uma auto cobrança muito alta. Ainda mais hoje, com a internet, em que você fica exposto a críticas o tempo todo. É bem duro.

Você não pode escolher, não ir treinar porque está cansado. Você tem que estar sempre no máximo. Isso não é natural para o ser humano. Tem dias em que você está no mínimo. Se a gente não respeitar o nosso ritmo interno, acaba ficando desequilibrado e afeta o psicológico.

Esporte de alto rendimento é o oposto de saúde, na verdade. Você está ali dando o seu máximo, competindo lesionado, com muita restrição, abrindo mão de muita coisa para treinar.

A vida de atleta é um eterno último ano do colegial. Prestes a fazer vestibular, você decide que não vai pra balada com os amigos para ficar super focado. É assim quando você coloca um resultado como meta.

Eu sempre andei de skate por diversão. Mas nesses anos que coloquei como meta ganhar um X-Games e evoluir muito, eu dei uma desequilibrada. Esqueci dos meus princípios de diversão e do porquê de andar de skate. Aí minha cabeça começou a ficar bagunçada.

A maternidade em 2016 me ensinou muito. Foi difícil a gravidez, tinha vontade de andar de skate, mas dei um tempo.

Depois, teve o puerpério, amamentação, poucas horas de sono e o corpo cheio de hormônios. Não é tão simples voltar. Fiquei dois anos fora.

No ano em que eu fui mãe, eu já estava exausta, cansada de competir e não tinha perspectiva de Olimpíadas, de nada.

O skate feminino estava no momento em que as meninas que estão competindo hoje em Tóquio eram crianças e estavam começando, enquanto as que competiam comigo lá atrás estavam parando.

Senti esse gap de geração. Eu estava ali a todo vapor, mas me sentia muito sozinha. Nesse momento, eu engravidei, e a partir daí, eu comecei a ressignificar a carreira.

Consegui encontrar um meio-termo entre competir, andar de skate quando quero e fazer outras coisas que gosto. A cantora Jennifer Lopez, grande filósofa [risos], sempre fala: lembre-se de onde você veio, de suas raízes.

Estou nesse momento, de sempre lembrar o motivo de ter começado a andar de skate: a criatividade e a liberdade. Quando comecei, eu tinha uma banda, surfava, jogava handball e futebol. Não era uma obrigação, fazia por gostar.

Era o meu sonho ser uma profissional do skate. Consegui. Atualmente, eu me sinto muito bem. Faço tudo que gosto sem me sentir pressionada. Isso é o ideal. Posso dizer que estou na melhor fase.

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