Eliane Trindade

Editora do prêmio Empreendedor Social, editou a Revista da Folha. É autora de “As Meninas da Esquina”.

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Marília Mendonça cantou: 'O mundo anda pesado demais'

Na era da internet, morte da cantora reverbera na arena ruidosa das redes sociais

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A cantora dedilha o violão agarrada ao instrumento enquanto pede um sorriso e decreta: "Eu sei que o mundo anda pesado demais...".

O vídeo de Marília Mendonça viralizou, a exemplo de tantas outras imagens da artista que morreu tragicamente e cedo demais.

A morte na era da internet pode ser ainda mais brutal. Pelo volume contínuo de informações e pelo ruído ensurdecedor de cada um de nós a reagir a uma notícia como a publicada às 16h39 da sexta-feira (5): "Morre Marília Mendonça em acidente de avião no interior de Minas".

Deu no The New York Times, exemplo máximo de importância em um mundo em que os grandes veículos de massa eram a medida suprema de prestígio.

Entrou, claro, para o Trending Topics do Twitter, a nova régua do que importa para as múltiplas bolhas que se confrontam na internet em um constante diálogo de surdos ou bate-boca global.

Como cada um de nós conectados a uma rede social é um veículo de comunicação em si, Marília Mendonça é assunto em moto-contínuo nas mais diversas plataformas.

Sua voz rouca e potente é onipresente: se faz ouvir nas canções preferidas de cada fã ou até mesmo na timeline de quem apenas a descobriu diante da avalanche de notícias e postagens de sua morte prematura aos 26 anos e no auge da carreira.

Cantora Marília Mendonça deixa legado para música brasileira - Instagram/mariliamendoncacantora

Esse desconhecimento também diz muito sobre nossa nova era: a comunicação de massa hoje trafega por estradas próprias, ao sabor dos algoritmos, o que explica o fato de um fenômeno como o "feminejo", marcado pelo sucesso de vozes femininas no universo sertanejo até então dominado por homens, ser ignorado por uma parcela considerável de brasileiros, enquanto lota estádios e bate recordes nas plataformas musicais de streaming.

Os famosos da era do rádio e da tevê eram conhecidos ou reconhecidos de modo mais uniforme e massivo. Embora as celebridades da era digital também sejam fenômenos de massa, elas gozam de uma fama mais disforme, compartimentada.

É um mundo bem mais complexo também, que parece se encontrar apenas na dor. Um mundo que anda pesado demais, como cantou Marília Mendonça.

Um peso que se mede em uma balança na qual machismo, gordofobismo e tantos outros ismos parecem estar se tornando de fato inaceitáveis.

Pelo menos no discurso e na prática do cancelamento. Um jeito radical de cortar a conversa com quem pisa na bola ou pensa diferente. Somos todos juízes e donos da verdade, pegando carona na polêmica da vez em busca de likes e aceitação nas nossas bolhas.

No meio dessa balbúrdia, o jornalismo profissional é atacado por deslizes e erros que reverberam no tribunal das redes sociais. O que só demonstra a responsabilidade de ser a fonte primeira e a de maior credibilidade nessa aldeia global digitalizada, agora dividida com tantas outras vozes potentes. A repercussão positiva ou negativa tanto pode ser um justo e bem-vindo contraponto como apenas barulho.

Em meio a essa verborragia, um RIP ('Rest in Peace', descanse em paz) para Marília Mendonça parece fora de lugar. A morte na era da internet se dá numa arena cheia de leões ruidosos, ávidos por minutos de fama em posts lacradores e polêmicas vazias.

A substância, muitas vezes, passa ao largo: Marília Mendonça se foi desse mundo pesado demais. Deixou um filho e uma legião de fãs órfãos de seu talento traduzido em canções que se conectaram com o coração de milhões de brasileiros. Descanse em paz, Marília.

O seu canto é um pedido: Dá um sorriso aí pra mim/ Não fique assim/ Quero te ver feliz/ Eu sei que o mundo anda pesado demais/ Que seja leve o que vier/ Fique em paz.

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