Reinaldo Azevedo

Jornalista, autor de “Máximas de um País Mínimo”

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Reinaldo Azevedo

As tentativas de derrubar o governo Temer golpearam, na verdade, a agenda do centro

Vivemos um período de incerteza inédito desde a volta da eleição direta para a Presidência

Quando a Lava Jato, com o apoio claro dos partidários da tal “nova política” e de setores da direita, passou a atuar para derrubar o governo Temer, o que fazia era precisamente golpear a agenda do...“centro”. Ou, se quiserem, a agenda do “conservadorismo”.

Retiro de tal palavra, por óbvio, a carga negativa que lhe empresta a esquerda. Nas democracias, um conservador luta pela preservação do molde institucional —não das iniquidades— para que as mudanças e o progresso se deem com segurança.

Vivemos um período de incerteza inédito desde a volta da eleição direta para a Presidência, em 1989. Naquele ano, a despeito da multidão de candidatos, Fernando Collor passou a liderar as pesquisas já em abril.

A dúvida razoável era saber que nome representaria a esquerda no confronto final —Lula ou Leonel Brizola?—, o que se arrastou até a boca da urna.

Neste 2018, a menos de quatro meses do pleito, não sabemos nada. Explica-se. Em 1989, não se vivia, como agora, à espera de Godot, o protagonista ausente da peça de Samuel Beckett. O meu alento é que o muito querido Gerald Thomas, o maior especialista na obra do dramaturgo irlandês, explore estes tempos no palco, emprestando um pouco de poesia sempre incômoda a nossos absurdos.

Espera-se “o” candidato de centro. Mais difícil do que apontá-lo é saber o que ele pensa. Ou o que ele deve pensar. Lula, por enquanto pré-candidato do PT, já ancorou sua postulação na, como dizem por lá, “reação ao golpe”.

O discurso de Ciro Gomes, do PDT, não fica muito distante, embora este empreste à sua postulação um viés desenvolvimentista, de retomada de um projeto nacional que una os brasileiros acima de interesses particulares. O discurso é conhecido. Nos dois casos, admita-se de saída, o Brasil que vislumbram repõe o Estado no centro de gravidade da economia. Isso é bom ou mau? Para um liberal, como sou, mau.

Une também os postulantes de esquerda a repulsa ao governo Temer, ainda que com acentos particulares. Os petistas centram fogo no presidente, o “traidor”; Ciro, no MDB, o “partido de ladrões”.

O nome desse filme, pouco importa o protagonista, é “De Volta para o Futuro”. As forças políticas que foram expulsas do poder pelo impeachment retomariam o controle do Estado, prometendo os amanhãs sorridentes que sempre ilustram o imaginário da esquerda.

O discurso de extrema-direita tem em Jair Bolsonaro (PSL) a sua expressão óbvia. O viés é circense aqui como em toda parte, ocupando-se pouco ou nada da economia política; das escolhas estratégicas; das questões realmente centrais no debate público —menos ou mais Estado, fontes de financiamento do desenvolvimento, equacionamento da seguridade social.

A política se reduz a uma delegacia de costumes. Imperioso é fazer perorações grotescas sobre a fantasiosa ditadura gay e a necessidade de armar a população. O combate à censura politicamente correta reivindica, nesse caso, o direito à ofensa.

É a boçalidade como capítulo da liberdade de expressão... Todo o resto deve ser debatido com Paulo Guedes, uma espécie de Bolsonaro do financismo —não me refiro, por óbvio, aos dotes intelectuais, mas à paixão pelo mito do Cavaleiro Solitário, que enxergaria o que ninguém mais vê.

E o “centro”? E Godot? Notaram que os que postulam esse discurso nada têm a oferecer que esteja fora da agenda do demonizado governo Temer? Sem a tentativa de golpe do grupo “JJ&F” (Janot, Joesley e Fachin), o presidente teria conseguido levar adiante até mesmo uma reforma da Previdência, que certamente ficaria um tanto distante do desenho original, mas que seria mais eficaz do que qualquer coisa que esse centro possa ambicionar.

O “centro” continuará a ter o nunca presente Godot como candidato? Já está fora da disputa do segundo turno? Não necessariamente.

Há uma possibilidade de que o medo da radicalização leve parte considerável do eleitorado para uma opção menos traumática. O medo do caos como aliado! A isso nos conduziu um tempo em que a polícia e a política, já observei aqui, voltaram a seu étimo comum para destruir o ambiente do debate público.

Manda ver, Gerald!

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