Reinaldo Azevedo

Jornalista, autor de “Máximas de um País Mínimo”

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Reinaldo Azevedo
Descrição de chapéu Eleições 2018

Bolsonaro recorre ao galinheiro para expor metafísica do estatismo

Propostas do candidato do PSL para economia não se sustentam

Essa personagem misteriosa chamada "Uzmercádus" ficou meio desenxabida na quarta. As ações da Eletrobras despencaram; as da Petrobras tiveram um tombo razoável, e a Bolsa toda ficou com um certo gosto de cabo de guarda-chuva na boca –ou, sei lá, de coturno velho, para lembrar o maior criador de estatais da história, depois de Xerxes: Ernesto Geisel.

Numa entrevista à Band, o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL), meu novo Apedeuta, explicou por que é contra a privatização da área de geração de energia, admitindo-a apenas na distribuição, que já se tem hoje. Em matéria de futuro, também nessa área, o "mito" nos promete o passado. Com o propósito de ser didático, o candidato resolveu nos brindar com uma metáfora, um recurso a que as pessoas de pensamento complexo apelam às vezes para se fazer entender pelos simples de espírito. Disse: "Suponha que você tem um galinheiro no fundo da sua casa e viva dele. Quando privatiza, você não tem a garantia de comer um ovo cozido. Nós vamos deixar a energia nas mãos de terceiros?"Dá para entender por que os primeiros a se deixar seduzir pela retórica de Bolsonaro foram os universitários e os mais ricos. O que faltava a esse público era entender o fundamento civilizacional do estatismo.

Muitos já conheciam o ácido desoxirribonucleico, as funções continuamente deriváveis e o Gato de Schrödinger. Mas não entendiam a razão de ser de uma estatal dita estratégica, o que pode ser angustiante a um médico, matemático ou físico.Agora está claro. A Eletrobras é o galinheiro. A água é a galinha. E a energia é o ovo. Logo, se você tem um ovo, não fica no escuro. Tá ok? Foi nas asas dessa "Zoologia do Espírito" que o Brasil criou um dos maiores Estados-empresários da Terra, também notável por sua ineficiência. E pelos espasmódicos voos de galinha.

Os que se dizem liberais e escolheram Jair Bolsonaro desde a primeira hora devem tê-lo feito, suspeito, encantados com a segurança dos ovos da galinha pintadinha. Na entrevista, também restou a suspeita de que o candidato "duzmercádus" vai interferir no preço dos combustíveis. Disse: "Cada litro refinado de diesel custa 90 centavos, não sei se é verdade. E depois a Petrobras bota 150% de margem de lucro e revende, aí vai para o Brasil, você bota em média 30% do ICMS. Ninguém aguenta. Você tem que diminuir a carga tributária". Como? Reforma tributária para sustentar supostos 150% de margem de lucro para a Petrobras??? Fosse assim, o tráfico de drogas preferiria refinar petróleo a cocaína.

O deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), o enviado especial de Bolsonaro ao mundo da política, contribuiu para o tombo na Bolsa. Repudiou a possibilidade de se votar a reforma da Previdência ainda neste ano –e, com efeito, seria impossível–, mas o fez com a humilde serenidade que caracteriza o momento. Segundo disse, "a proposta de Temer é uma porcaria". Os mais maduros se lembram da empáfia de João Santana, aquele que Collor havia escalado, numa fusão de vários ministérios –certos temas são recorrentes em nosso galinheiro político-existencial–, para comandar a revolução moral e cívica.

Bolsonaro prometeu ainda o pagamento de 13º para o Bolsa Família, que ganharia o prefixo superlativo "super", antes de mudar de nome –como Lula fez, em outubro de 2003, com os programas sociais herdados de FHC. Quem haverá de ser contra a que se dê um pouco mais de dinheiro aos pobres? Eu não sou!

A minha restrição é outra. O candidato afirmou que parte dos recursos sairá do combate a fraudes no sistema. Ele não tem base empírica nenhuma para fazer essa afirmação. Promete recorrer ao Tesouro para ganhar votos. Bolsonaro é, em muitos aspectos, de fato, um reacionário, transitando entre o geiselismo e o petismo, tão parecidos no entendimento do que seja o Estado.

É só o começo. Notem o festival de adesões de políticos ao "capitão", em contraste com a "neutralidade" de seus respectivos partidos, o que, no momento, é conveniente para o candidato e para as legendas. Ele não fica com cara de "velha política", e elas aguardam, sentadinhas, na namoradeira. O Netflix que se cuide! A TV Câmara, a partir de 2019, promete. Há potencial até para a versão "XXX". Para assinantes.

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