Reinaldo Azevedo

Jornalista, autor de “Máximas de um País Mínimo”

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Reinaldo Azevedo
Descrição de chapéu Eleições 2018

Parte da elite brasileira deserta da ciência e adere à magia

Sensatos caem vítimas da suposição de que a sinceridade grosseira pode ser redentora

A dois dias do primeiro turno das eleições, vai uma constatação vazada não sem certa melancolia. Setores da elite universitária brasileira são hoje os principais clientes das mentiras espalhadas nas redes sociais. É um assombro que assim seja. Aqueles que, em tese, dispõem dos instrumentos mais afinados para apontar o que está fora do tom se mostram os maiores entusiastas de cacofonias muitas vezes sórdidas.

São, entre outros profissionais, médicos, engenheiros, dentistas, economistas, advogados —e, por óbvio, não estou aqui a cometer o erro da generalização. Também há, e espero que em maior número, os que se mostram capazes de ponderar e que ainda não renunciaram à lógica elementar em favor da falácia.

Quando essas pessoas estão a fazer uma incisão num abdômen, a calcular os materiais de uma ponte, a tratar o canal de um dente, a fazer uma planilha de custos, a articular os códigos legais que nos regem, pergunto: usam ou não a razão e o saber acumulado? Apelam a métodos já testados, verificados e verificáveis de precisão, buscando cercar as margens de erros, ou atuam segundo fundamentos místicos, o “ouvi dizer”, o “só pode ser”? Apelam à ciência ou dão três toques na madeira?

Devo começar a duvidar por princípio dos diagnósticos?

Devo começar a temer pelas edificações?

Devo começar a tremer de antemão pelos abcessos da imperícia?

Devo começar a desconfiar da matemática financeira?

Devo começar a recusar o aporte das lentes jurídicas?

A política também é um saber. E pode matar mais do que a imperícia em muitas profissões. De onde vem a crença de que alguém sem nenhuma experiência é capaz de oferecer a resposta certa e definitiva para problemas difíceis? Talvez eu mesmo possa responder em lugar dos que, a esta altura, podem estar indignados demais para fazer outra coisa que não vituperar contra mim —no caso, os que ainda não desertaram: 

“Ah, Reinaldo, vem da constatação de que aqueles que estão aí, até agora, nada fizeram. Se eram todos políticos tradicionais, de grandes partidos, e nos largaram nessa lama, por que eu deveria confiar neles?”
Pois é... Tal resposta seria uma tolice porque, para que o raciocínio fosse aceitável, forçoso seria que se substituíssem os maus obstetras por parteiras; os maus engenheiros por práticos que vão juntando escora e cimento ao Deus-dará; os maus dentistas por curiosos do boticão.

Por que pessoas sensatas em suas respectivas profissões, hábeis do manejo dos fundamentos de suas respectivas ciências, testadas, muitas vezes, em mercados competitivos, caem vítimas da suposição estúpida de que a sinceridade grosseira, justamente porque desinformada, pode ser redentora?

“Ah, não quer que eu vote em Fulano, né? Então quer Beltrano...” Eu??? Posso auxiliar alguém no uso de adjuntos adverbiais de modo, por exemplo, nunca na escolha de um candidato. 


Apenas me dou o direito de indagar que futuro tem um país em que parte considerável daquela que é, para todos os efeitos, a sua elite intelectual não consegue, em matéria de política, ir além dos memes que recebe pelo celular. De resto, aquela indagação desconfiada pressupõe a mentira de que, desde sempre, estivemos entre a cara e a coroa.

Se posso fazer uma advertência, lá vai: um eventual resultado das urnas pautado pelo raciocínio mágico será, depois, cobrado pelo mundo real, que sempre aparece para assombrar as fantasias, como fez com Fernando Collor e Dilma Rousseff, que caíram.

 

Para não deixar passar. O pior aconteceu e está em curso. O Poder Judiciário entrou na eleição. O veto à entrevista de Lula, com censura prévia, afronta as regras de funcionamento do Supremo e os Artigos 5º e 220 da Constituição. 

A marota quebra de sigilo da delação de Antonio Palocci, determinada por Sérgio Moro na boca da urna, é uma aberração. Nos dois casos, a toga tenta fazer sombra na vontade do eleitor. E que se note: estou entre aqueles que acham que a entrevista de Lula faria mais mal do que bem ao PT. 

Mas isso não determina a minha crítica. Meu candidato é o respeito às regras do jogo. Faz parte do pensamento mágico ignorar as obviedades do Conselheiro Acácio, segundo quem as consequências vêm sempre depois.

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