Reinaldo Azevedo

Jornalista, autor de “Máximas de um País Mínimo”

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Reinaldo Azevedo
Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Bolsonaro acerta quando recua e erra quando avança

O problema não está em mudar de ideia. Preocupante é não ter ideia do que fazer

Sou fã dos recuos de Jair Bolsonaro. Até agora, eu os defendi a todos, sem exceção, antes mesmo que o presidente eleito voltasse atrás. Fusão da Agricultura com o Meio Ambiente? Bobagem. Insistir numa reforma da Previdência ainda neste ano? Bobagem. Extinguir o Ministério do Trabalho agora? Bobagem.

Transferir as universidades para o Ministério da Ciência e Tecnologia? Bobagem. O problema não está em mudar de ideia. Preocupante é não ter ideia do que fazer.

Os tais mercados, por enquanto, se divertem fazendo de conta que política não existe. E que as regras podem ser livremente governadas pela vontade. Em reunião do futuro presidente com governadores eleitos, anunciou-se a intenção de Paulo Guedes de dividir com os estados e municípios parte dos recursos do leilão do pré-sal, que poderia render de R$ 100 bilhões a R$ 130 bilhões.

É a velha engenhoca da "política de governadores", ineficaz com a Constituição que temos. Sem ajustes severos nos estados, a grana do petróleo pode fechar um rombo aqui, outro ali, e tudo seguirá na mesma. Vai ser preciso renegociar, de novo, as dívidas. No Congresso.

Junto com a crise nos estados, bate à porta a reforma da Previdência —esta, sim, considerada a mãe do sucesso ou insucesso, junto aos mercados, da gestão Bolsonaro. O problema, e o presidente eleito já o percebeu, é que o endosso dessa crítica especializada, sem efeito nas urnas, não coincide com apoio popular. E ainda está para ser inventada mudança nessa área que seja popular.

Uma pergunta: Bolsonaro correria o risco de ver esmorecer o entusiasmo com o "mito" para fazer a coisa certa? Há um "gap", ou "delay" de entendimento, entre as potenciais medidas liberalizantes de Guedes e seus efeitos positivos para a população. Esse descompasso costuma resultar em mau humor dos pobres e remediados.

Bolsonaro tem Donald Trump como seu mito privado, não Margaret Thatcher. Apontem aí que reforma drástica o presidente dos EUA teve de fazer. Exceção à do discurso, nenhuma! Deu-se até a licença para liberar as forças do ódio, que alguns celerados chamam de "defesa do Ocidente". Com um pouco menos de impostos. A economia que herdou lhe permitiu as momices do populismo de direita. Não é o caso de Bolsonaro, um populista de direita sem dinheiro.

Não existe economia virtuosa, por mais talentosa que seja a equipe que cuida do assunto, com uma administração que pode entrar em colapso. A ligeireza com que se trata a gestão também se verifica no discurso, com repercussões negativas, antes mesmo da posse, na China, no Mercosul e em países árabes, o que já alarmou o agronegócio e um pedaço considerável da indústria.

O mais recente efeito da falta de modos pode resultar numa debandada dos médicos cubanos. Nem eu nem Bolsonaro gostamos do castrismo. Mas é preciso pôr na conta nossos barrigudinhos. Os problemas do "Mais Médicos", e eles existem, não têm como ser corrigidos com menos médicos para os pobres. Entenderam o ponto? Por enquanto, o que se tem é uma loquacidade contraproducente.

Caso exemplar desses dias é a resposta que o presidente eleito deu ao que considera um Itamaraty ineficiente. Prometeu para a pasta um chanceler que daria prioridade aos negócios, não à ideologia. O escolhido é Ernesto Araújo.

O futuro ministro diz de si mesmo: "Quero ajudar o Brasil e o mundo (sic) a se libertarem da ideologia globalista (...). A globalização econômica passou a ser pilotada pelo marxismo cultural (...). A fé em cristo significa hoje lutar contra o globalismo".

No ensaio "Trump e o Ocidente", em que trata o presidente americano como salvador e a ONU como expressão de uma era que tem de chegar ao fim, Ernesto escreve: "O presidente Trump propõe uma visão do Ocidente não baseada no capitalismo e na democracia liberal, mas na recuperação do passado simbólico, da história e da cultura das nações ocidentais." Vamos vituperar contra o Unicef e celebrar a caça ao urso na Virgínia.

Um dos momentos marcantes desse resgate, segundo o futuro ministro, que acredita na existência de um "Deus de Trump", é um discurso que o presidente americano fez numa Polônia cujo establishment se identifica com a extrema direita nacionalista. Parece-me que o samba do Ernesto dá prioridade à ideologia, não aos negócios. Clóvis Rossi foi ao ponto: é o Cabo Daciolo com alguns livros a mais.
Se Bolsonaro mudar de ideia, aplaudo outra vez. Ele acerta quando recua e erra quando avança.

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