Reinaldo Azevedo

Jornalista, autor de “Máximas de um País Mínimo”

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Chega ao fim o caso hétero entre Bolsonaro e a Lava Jato

Quadros da PF e da Receita terão de decidir se reagem por apreço às regras do jogo ou se buscam uma acomodação

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​Duas concepções de Estado policial que viveram um enlace amoroso que se pretendia duradouro estão em choque: a da Lava Jato e a do presidente Jair Bolsonaro. O amor acabou. E há o risco de rompimento litigioso. Não é surpresa para quem vê a política além dos movimentos de superfície. Fazê-lo é uma obrigação do analista. O cronista pode se contentar com os folguedos do dia.

No Coaf, agora rebatizado de UIF, na Receita, na PF, no MPF e até na Justiça havia e há quem advogue a prerrogativa, ao arrepio de qualquer ordenamento legal, de escarafunchar a vida de qualquer um em nome do combate à corrupção.

Nesse caso, é claro que não se agride a lei sem um propósito. Como evidenciam diálogos revelados pelo The Intercept Brasil e pela Folha, o comando da Lava Jato apelava a um braço que tinha na Receita para, por exemplo, tentar encontrar ilícitos de ministros do Supremo.

Não era zelo de justiça. O que se pretendia era eliminar do tribunal dois ministros —Dias Toffoli e Gilmar Mendes— considerados adversários da força-tarefa. Ou de seus desmandos, para ser exato.

O que os diálogos demonstram à farta é que a Lava Jato selecionava alvos e até setores da economia exibindo a, deixem-me ver, soberana tranquilidade com que Deus criou o mundo. Ou decidiu destruí-lo quando lhe deu na veneta divinal, descontente com as lambanças da tigrada que havia dado à luz.

Não tardou para que os valentes da Lava Jato vissem no então candidato Bolsonaro "o homem certo no lugar certo". Análise política é um trabalho que se faz em parceria com o interlocutor —neste caso, o leitor. Por isso, permito-me reproduzir trecho de uma coluna de 8 de junho do ano passado, intitulada "Bolsonaro é o nome da Lava Jato". Prestem atenção.

"Gente que conhece o MPF por dentro e pelo avesso assegura que os Torquemadas torcem é por Bolsonaro. Li trocas de mensagens de grupos do WhatsApp que são do balacobaco. E assim é não porque os senhores procuradores comunguem de sua visão de mundo —a maioria o despreza—, mas porque veem nele a chance de fazer ruir o 'mecanismo', que estaria 'podre'.

Os extremistas do MPF, do Judiciário e da PF, onde o candidato é especialmente popular, concluíram que o 'Rústico da Garrucha & dos Bons Costumes' lhes abre uma janela de oportunidades para impor a sua agenda. Querem ser, e isto é para valer, o 'Poder Legislativo' de um regime que fosse liderado pelo bronco. Não creio que logrem seu intento e, tudo o mais constante, estão cavando seu próprio fim como força interventora na política. Isso, em si, será bom. A questão é quem vai liderar o desmanche." Acaba aqui a citação.

Eis aí. Quem me deu essa clareza antecipatória foi a parceria com vocês.

Quando Sergio Moro foi alçado ao Ministério da Justiça, a equação parecia, então, se fechar. Pronto! A Lava Jato tinha desfechado, pela via do suposto legalismo e do combate à corrupção, um golpe de Estado. E com o apoio quase unânime da imprensa, que prestava aos procuradores o favor de executar os alvos que eles cuidadosamente selecionavam.

Acontece que Bolsonaro não era apenas uma gaveta vazia de passado, ainda que lotada de bordões fascistoides, que atentam com igual desassombro contra bichos, árvores ou pessoas.

Quem tem Fabrício Queiroz tem medo. Sim, é preciso que a PF e a Receita se atenham a seu papel constitucional. Essa é a reivindicação das pessoas alinhadas com o Estado de Direito.

Isso nada tem a ver com a interferência do presidente na Superintendência da PF do Rio, sob o silêncio cúmplice de Moro —hoje mero cavalo de parada— ou com a deposição de quadros da Receita Federal na delegacia da Barra da Tijuca ou no Porto de Itaguaí (RJ), por onde passam as armas que ajudam a garantir tanto o poder do narcotráfico como o das milícias.

Quadros da PF e da Receita terão de decidir se reagem a Bolsonaro por apreço às regras do jogo ou se buscam uma acomodação, de sorte que o presidente continue a ser o garantidor do Estado policial desde que ninguém escarafunche a sua gaveta, bulindo com o seu Queiroz de estimação.

Vai ser o quê?

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