Reinaldo Azevedo

Jornalista, autor de “Máximas de um País Mínimo”

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Reinaldo Azevedo

Os liberais têm de se fazer uma pergunta: 'O que é inegociável para nós?'

Para montar coligação para disputar o poder, é fundamental querer a mesma coisa

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Façamos um esforço para enxergar a eleição presidencial do ano que vem além desses dias acanalhados, embora seja grande a tentação de fazer a crônica policial deste governo, apontando a sua atuação fanaticamente criminosa. Mas não resisto a uma pergunta: cadê Eduardo Pazuello no imbróglio da Covaxin?

Retorno ao prazo mais longo. Ainda que eventos recentes tenham tornado mais evidentes os aspectos grotescos da turba que nos governa, é inevitável constatar que, em muitos aspectos, os reacionários ganharam terreno.

Noto, mesmo em ambientes infensos à pregação fascistoide, uma hesitação em chamar o inaceitável por aquilo que é. O golpismo, o negacionismo, o racismo, a misoginia, a homofobia e o "milicianismo" policial são o outro lado da civilização, não uma ideologia entre muitas —e todas são, a seu modo, restritivas, com uma carga de conceitos preconcebidos que a realidade não endossa.

Tais postulações não podem ser toleradas como um ponto de vista possível entre outros possíveis. Ao contrário, devem ser denunciadas por aquilo que são: crimes. A questão é também eleitoral. Milhares de pessoas saíram às ruas para pedir o impeachment de Jair Bolsonaro, em manifestações com vários tons de vermelho. Nem poderia ser diferente.

Não vai aqui juízo de valor, mas apreciação objetiva: a pauta da inclusão tem o DNA da esquerda, tanto quanto a da moralização da vida pública é geneticamente direitista. E ambas, vamos convir, pedem um Estado forte para a realização dos seus propósitos, certo? A história recente do Brasil evidencia que assim é.

Estamos tratando de posições inconciliáveis em tempos normais. Não é que a esquerda, por princípio, mande às favas os escrúpulos para fazer justiça social. Não é que a direita passe por cima dos "mendigos" de Paulo Guedes —aos quais se darão sobras dos restaurantes— para enxugar o Estado e combater a corrupção. Isso tudo é caricatura. Os instrumentos de intervenção de um e de outro lados, com os quais pretendem realizar o bem comum, são distintos. E, cá na minha inocência benfazeja, aspiraria a que se alternassem no poder.

Mas vivemos, como num poema, o tempo em que todos os bares se fecharam e as virtudes se negaram. Para que se faça uma coligação para disputar o poder, é fundamental que as pessoas queiram a mesma coisa. Trata-se de uma união afirmativa, ainda que restem campos que são inconciliáveis. De todo modo, é preciso haver convergência nos quereres. Uma frente ampla de oposição, que é coisa muito distinta de uma frente eleitoral, comunga as rejeições.

A pergunta sai agora a seco: existe, de fato, a chance de uma frente que se oponha ao horror? Não se trata de uma cobrança ou de uma patrulha, mas de uma dúvida generosa e serena. Os grupos hoje identificados com o chamado "centro" e com a direita democrática —não bolsonarista— conseguem levantar a sua voz, além das atuações individuais no Congresso ou nas redes sociais, para fazer a defesa dos valores que plasmam as sociedades democráticas?

Se é assim, então os realmente liberais, por exemplo, podem se juntar com as esquerdas, em marchas virtuais ou reais, ainda que o "companheiro dos outros" esteja a vituperar contra pautas que a esses liberais e centristas pareçam essenciais para garantir eficiência ao Estado. Dos pré-candidatos postos, só um tem discurso e prática disruptivos, que acenam com um horizonte escatológico, em que a democracia passa a ser irrelevante.

O país já iniciou a contagem regressiva para os 600 mil mortos. As forças que reivindicam o centro ou a direita no terreno de oposição são capazes de evidenciar —agora e no segundo turno— a sua absoluta incompatibilidade com aquilo que Bolsonaro representa?

Ou se reitera na estúpida ilusão de que se possam amansar o golpismo, o negacionismo, o racismo, a misoginia, a homofobia e o "milicianismo" policial —com o bônus de que Guedes, afinal, defende privatizações, ainda que à moda Eletrobras?

Dada a resposta a essa questão, o resto é fácil e até óbvio. Não se trata apenas de eleger um governo. Eleger-se-á, também, um mínimo civilizatório.

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