Reinaldo Azevedo

Jornalista, autor de “Máximas de um País Mínimo”

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Reinaldo Azevedo
Descrição de chapéu Auxílio Brasil

Era uma casa muito engraçada, só tinha teto e mais nada; acabou!

Se alguém sabe como responder agora, e não depois, às urgências da miséria sem furar o teto, que nos diga já!

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Sou favorável ao teto de gastos. Se ele for possível. Alinho-me com todas as "ideias magras e severas", para empregar a expressão de um dos meus prediletos, desde que sejam ética e moralmente aceitáveis e resolvam problemas. Se, ao contrário, a solução se torna causa de novos sortilégios, busque-se outro caminho.

Maquiavel nunca escreveu que "os fins justificam os meios". Mas dá para entender por que se faz tal confusão. No capítulo 18 de "O Príncipe", diz que o governante sábio não tem de se manter fiel às suas promessas quando já se extinguiu a causa que o levou a fazê-las.

Transcrevo um trecho: "Busque, pois, um príncipe triunfar das dificuldades e manter o Estado, que os meios para isso nunca deixarão de ser julgados honrosos, e todos os aplaudirão. Na verdade, o vulgo sempre se deixa seduzir pelas aparências e pelos resultados".

Dá para verter as palavras acima para o mandarim político e pragmático de Deng Xiaoping, que resultou na China-potência: "Não importa se o gato é preto ou branco, contanto que pegue ratos". É minha divisa pessoal? Não. Penso que os meios qualificam os fins. Mas não sou político.

Acho o teto de gastos uma boa ideia desde que esteja atrelado a outros propósitos. Mas tenho chamado a atenção há tempos, e não sou o único, para o fato de que, na prática, se tornou mais um fetiche, uma fantasia, do que propriamente realidade. Permito-me pensar a questão, esquecendo, por um breve hiato, a estupidez de Bolsonaro e as fanfarronices de Paulo Guedes.

Se alguém tem alguma fórmula, sem furar o tal teto, que responda agora, e não depois — e ainda que precariamente —, às urgências da miséria e da fome, que, então, nos diga. Queremos saber. Estivesse quem estivesse no poder, dada a realidade, eu escreveria, como escrevo: "Extinguiu-se a causa que levou à promessa de manutenção do teto de gastos". Olhem, por exemplo, a devastação provocada pela Covid-19 nos estratos mais vulneráveis da sociedade.

A minha crítica ao presidente e a seu prestidigitador da Economia, no caso, não coincide com a dos ainda bolsonaristas, ora ressabiados, ou com a dos que desembarcaram da nau dos insensatos. Ainda que o indecoroso "orçamento secreto" seja rapado, inexistem recursos disponíveis para minorar os efeitos da miséria alastrante.

O que me incomoda, aí sim, é o fato de o governo não falar com clareza e de insistir em malabarismos de contabilidade criativa. A PEC dos precatórios, note-se, é o quê? Concentra calote, pedalada e fura-teto. Tivesse Guedes o que oferecer e estivesse o rompimento da palavra empenhada do "Príncipe" atrelado a um plano, a especulação certamente seria menor. Ocorre que o limite de gastos, que foi para o beleléu, era a única brocha na qual se pendurava o governo.

É evidente que o ogro está pouco se lixando para o sofrimento dos pobres. Empenha-se na criação do "Auxílio Reeleitoral", de que faz parte também o anunciado benefício aos caminhoneiros. Nem ele nem Guedes se ocupam mais da economicidade das decisões. Pela reeleição, que o país vá à breca. As decisões destrambelhadas fazem despencar a Bolsa, levam à disparada do dólar e contribuem para elevar a inflação, que corrói o poder de compra de todos, muito especialmente de quem vai receber o auxílio.

E, claro!, não se deve esperar de Lula, hoje pré-candidato favorito à disputa do ano que vem, que critique os R$ 400. Ele pede R$ 600. Afinal, essa turma que aí está foi incensada por muitos dos ora críticos do fura-teto como alternativa ao suposto "Risco PT". Aí grita o colunismo da Terceira Via: "É uma disputa de populismos". Pergunto: como incluir os miseráveis na equação —e já— sem que populismo não pareça? Alguém fará campanha eleitoral na contramão do Auxílio Brasil ou em favor da redução do valor?

O problema não está em furar o teto, que já foi arrombado faz tempo, mas na falta de eixo da política econômica. Eixo, note-se, que nunca teve. Durante um tempo, a parolagem de Guedes, tentando dar sentido aos anacolutos de Bolsonaro, levou muita gente no bico. Nunca souberam o que fazer. Era uma casa muito engraçada, só com teto e mais nada. Acabou o teto. E agora?

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