Reinaldo Azevedo

Jornalista, autor de “Máximas de um País Mínimo”

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Descrição de chapéu datafolha

Os números do Datafolha e a neutralidade diante da câmara de gás

Se Bolsonaro vencer, golpe deixa de ser um risco e passa a ser uma certeza

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Não temam tanto um autogolpe de Jair Bolsonaro caso ele perca a eleição no primeiro turno ou no segundo. A democracia será golpeada se ele vencer, o que é possível, embora pareça improvável, como revelam números do Datafolha.

Se a eleição fosse hoje, Lula teria 54% dos votos válidos no cenário mais provável, não precisando ir para o embate final. O petista tem 48% das intenções de voto e é rejeitado por 33% apenas. Votariam no atual presidente 27%, e 54% o rejeitam. Nota: a eleição não é hoje.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) - Sérgio Lima - 25.mai.22/AFP

Por mais que Bolsonaro vocifere, não é a derrota que o torna especialmente perigoso. A exemplo de todo autoritário, a vitória lhe assanharia ainda mais a sede de mando. Um golpe da derrocada já nasceria sob o símbolo da farsa.

Já a vertigem da vitória teria mais chance de arrastar aventureiros. Essa é não mais do que uma constatação, não um convite para uma causa. Não tenho argumentos para a neutralidade diante de um massacre ou da câmara de gás.

Assim, o jacobinismo nem-nem não se sinta atingido, dispensando-se de elevar o sarrafo do estilo furibundo. Afinal, a democracia ou é valor inegociável ou nunca será, e um meio-covarde sempre valerá por um covarde inteiro.

De resto, na ordem das coisas, a grandiloquência independentista, acompanhada da retórica virulenta, costuma ser inversamente proporcional à importância do grandiloquente. Causa mais tédio do que indignação. Ninguém reivindique o privilégio da citação encoberta. A exemplo de Gil Vicente, falo com as personagens "Todo Mundo" e "Ninguém".

Uma quartelada da derrota duraria quanto tempo? É verdade: eles têm tanques, e a gente não. Eles podem fechar o Congresso e o Supremo, mas não podemos fechar os quartéis. Quanto tempo duraria a aventura? Há bananas de sobra no país, muito especialmente os de pijama, mas não somos uma republiqueta bananeira. Dar golpe é bem fácil; sustentá-lo é que é o xis do problema.

E se Bolsonaro vencesse? Aí todas as musas seriam antigas para cantar o desastre. Haveria o esforço, com razoável chance de sucesso, de transformar em matéria também de direito aquilo que é hoje corrosão de fato da institucionalidade democrática, mas não ainda em letra impressa.

Seria inútil apostar na resistência do Congresso porque ele não será muito diferente deste que aí está. O comportamento do Legislativo espelha, em grande parte, as escolhas do Executivo, e sabemos com quantas emendas secretas se conquistam as maiorias no Parlamento, que permaneceriam sócias do "velho regime".

O Supremo, com quatro indicações de Bolsonaro, seguiria como a única barreira de contenção à ordem fascistoide. Mas até onde? O Poder, como é óbvio, tem os seus limites. De resto, o Fanfarrão seguiria fazendo suas indicações para outros tribunais, espalhando a pestilência Poder Judiciário afora. Notem que não faço aqui uma previsão, mas uma leitura do passado recente.

Bolsonaro promoveu a primeira manifestação golpista antes de concluir o quinto mês de mandato. E não havia contencioso nenhum nem com o Supremo nem com o Congresso. Ao contrário: ajudavam a governar. E não parou mais. Era a glória de mandar. A cobiça não era e não é vã porque essa turma que aí está tem seus sócios e os que se beneficiam do desmonte da ordem democrática.

De Chávez, na Venezuela, a Vladimir Putin, na Rússia, passando pela Hungria de Viktor Orban ou a Polônia de Andrzej Duda, daria para escolher o modelo de privatização, por camarilhas, do estado de direito e do Estado propriamente.

Dadas as tendências arruaceiras de parte dos militares da reserva, com conexões evidentes com os quarteis, talvez conhecêssemos a versão de extrema direita do bolivarianismo, associado à privataria pregada por Paulo Guedes —aquele que disse em Davos que o mundo todo está errado, e ele, certo.

Em "O Homem sem Qualidades", Musil fala de uma "nova era" como aquele momento em que as fronteiras nítidas ficam borradas, com todos os "lugares importantes e privilegiados do espírito" ocupados por "certo tipo de gente". O Datafolha está aí. Eu voto na condição daquele que assiste à execução de Genivaldo pela PRF. Não era Messias, mas era de Jesus.

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