Reinaldo Azevedo

Jornalista, autor de “Máximas de um País Mínimo”

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Reinaldo Azevedo
Descrição de chapéu Banco Central juros

BC independente vira 'metaphysical state', com 'platonismo monetário'

Na pena e na boca de sectários de centro, 'populista' vira xingamento análogo a 'comunista' e 'fascista'

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Não falarei aqui, e o contraste seria desmoralizante para mim, como Nietzsche no prefácio de "O Anticristo", tão certo da chacota da quinta série que antecipou a própria eternidade antes que a patota declarasse a sua obsolescência —suposta no caso dele, certa no meu. Escreveu: "Alguns homens nascem póstumos".

Preparo-me para o perecimento. Não com o estoicismo dos monges, mas com a "nonchalance" dos sátiros. E leio, "nas horas intermédias do tédio", André Lara Resende. Não por crença, mas por apreço ao dissenso. Ademais, tem obra, bem além do alarido dos "bonitinhos, mas ordinários". Ou não tem? Faço uma citação coberta para eventuais caçadores de referências. Discurso único intoxica a inteligência, despreza as evidências em contrário e é incompatível com a civilidade.

Antes que Lula voltasse a criticar os juros elevados, como fez em solenidade no BNDES (6), eu mesmo havia me incomodado com o recado do Banco Central ao governo ao manter a Selic em 13,75% ao ano. Estou entre aqueles que consideram essa taxa exagerada. Na mensagem do BC, havia um tom de bedel e de ente acima das disputas humanas. O presidente virou a Geni do mundinho "duzmercáduz" e seus porta-vozes, mas não se intimidou e serviu outra dose à cólera dos sábios.

Entrada da sede do Banco Central, em Brasília - Antonio Molina - 11.jan.22/Folhapress

O tom e o pressuposto dos ataques ao petista são espantosos. No tom, tratam-no como a um usurpador que tivesse cometido a ousadia de tomar um lugar a outro reservado. A exemplo de qualquer ressentimento, também o dos sectários de centro é irrefletido. O pressuposto é ainda mais estapafúrdio: julgam o governo como se estivesse no fim. Acrescente-se que a régua com que se mede pouco mais de um mês de gestão é o primeiro mandato do próprio Lula. Como se o Brasil de antes fosse o de agora.

"Mas como pode o chefe do Executivo criticar decisões do BC?" A indisposição e o inconformismo biliosos preexistem às suas falas recentes. Já davam sinais na campanha e atingiram um primeiro pico de mau humor com a PEC da Transição. As objeções eram despropositadas porque alheias ao Brasil que se revelava na sua crueza antes mesmo do fim do delírio fascistoide. Sentenças de morte foram escritas já em novembro. Tendo a achar que, se o biltre homiziado de Orlando voltar, pode acabar atrapalhando o trabalho dessa oposição...

"Eu não peço desculpas nem peço perdão" (by Jorge Mautner) por entender, desde sempre, que essa prosa sobre independência do BC pressupõe uma neutralidade impossível e é uma farsa intelectual consentida. E não porque o mercado financeiro reúna lobos sanguinolentos, mas porque, na sua dimensão demasiadamente humana, é o que é. Como lembra o advogado Walfrido Warde, as agências reguladoras e o BC independente são tentativas de "deep state" no país. As decisões do BC, no entanto, ele pondera, não são infensas às pressões e fazem perdedores e ganhadores. Com juros altos, tomadores de crédito, por exemplo, perdem. Quem ganha?

Para além das dissensões e crenças, é incompatível com uma sociedade democrática partir do princípio de que o presidente está obrigado a silenciar sobre juros, o que alçaria a autoridade monetária à categoria de Estado acima do Estado. A ideia parece boa e, dizem, nos protege de diabólicos populistas, mas é falsa. A propósito: "populista" se tornou o insulto predileto dos sectários de centro. É, na sua boca e na sua pena, o correspondente ao "comunista" dos bolsonaristas e ao "fascista" da esquerda ligeira. Uma dica de leitura: "Do que Falamos Quando Falamos de Populismo", de Thomas Zicman de Barros e Miguel Lago (Companhia das Letras).

Num seminário em Miami, Roberto Campos Neto afirmou: "A principal razão, no caso da autonomia do BC, é desconectar o ciclo de política monetária do ciclo político, porque eles têm diferentes lentes e diferentes interesses. Quanto mais independente você é, mais efetivo você é, e menos o país vai pagar em termos de custo-benefício da política monetária".

Sedutor para alguns. É uma tese que funda não o "deep state", mas o "metaphysical state" e o eleva a uma categoria filosófica: o "platonismo monetário". Sem desculpas nem perdão, ficam essas palavrinhas do anticristo irrelevante e obsolescente. Hora da chacota...

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