Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

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Manguebeat de Darwin

Dança das correntes marinhas e mistura entre espécies forjam evolução de manguezais

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Chico Science & Nação Zumbi que me desculpem, mas os mangues, embora de fato abundem em lama, têm muito pouco de caos. (Se você nunca ouviu falar de Chico Science nem jamais ouviu seu disco "Da Lama ao Caos", faça esse favor a si mesmo, gentil leitor.) 

As plantas adaptadas a tais ambientes estão entre as obras-primas da seleção natural, com suas "raízes aéreas" que mais parecem snorkel de mergulhador emergindo do manguezal, capacidade de tolerar diferentes níveis de salinidade e propágulos (frutos) otimizados para viajar pela água do mar. 

Com a ajuda do DNA, pesquisadores brasileiros estão investigando como espécies desses ecossistemas singulares se espalharam pela costa do país, reconstruindo uma história complexa de viagens e misturas, inesperada, à primeira vista, para criaturas que deitam raízes.

Manguezal na Bahia
Manguezal na Bahia - Ricardo Borges/Folhapress

Entre esses cronistas da história profunda dos manguezais estão Anete Pereira de Souza, do Departamento de Biologia Vegetal da Unicamp, e Gustavo Maruyama Mori, do Instituto de Biociências da Unesp em São Vicente, no litoral paulista. 

Junto com outros colegas, em artigos recentes em publicações como a revista científica Ecology and Evolution, a dupla tem mostrado, em primeiro lugar, que existe um curioso abismo entre plantas do mangue que pertencem à mesma espécie, segundo a classificação científica usual. 

Um exemplo é o mangue-vermelho (Rhizophora mangle), presente praticamente de norte a sul na costa brasileira.

De norte a sul, repito, mas a análise de certas características do genoma desses vegetais — em especial os chamados microssatélites, uma espécie de "gagueira de DNA", com a repetição insistente de pequenas sequências de letras químicas -- indica que, do extremo norte do Brasil até Pernambuco, existe uma população da espécie; da Bahia rumo ao sul, temos outra, geneticamente bastante distinta da de suas parentas costa acima no mapa. O que estaria acontecendo?

Entra em cena a corrente Sul Equatorial, uma corrente marinha que, ao chegar ao litoral sul-americano numa altura equivalente a uns 15 graus de latitude Sul, divide-se em duas: a corrente do Brasil, com águas de velocidade relativamente baixa e direção sul-sudoeste, e a corrente Norte do Brasil (é, eu sei que a nomenclatura está ficando confusa), veloz e direcionada para o norte-noroeste. 

Resumo da ópera: a força da água empurrando para o sul é fraca, enquanto a que empurra para o norte é bem mais forte. Eis a barreira, portanto. Embora os propágulos de R. mangle sejam duros na queda, com bom tamanho e capacidade de sobreviver por até um ano boiando em água doce ou salgada, os que caem na água de Pernambuco para o norte só conseguem viajar para o norte; os que caem na água da Bahia para o sul só podem rumar para o sul.

Com o passar dos milênios, sem cruzar entre si, as populações de cada ponta do mapa vão ganhando características próprias. 

Paradoxalmente, na porção mais ao norte da costa do país, a troca de genes entre populações do manguezal é mais fácil --tão mais fácil, aliás, que parecem surgir com alguma regularidade híbridos entre o R. mangle e espécies diferentes, como o R. racemosa. 

Essa mistura parece ser favorecida pela seleção natural porque o R. mangle é mais resistente aos teores de sal da água do mar; para as outras espécies, portanto, vale a pena trocar genes com ela. Resta saber como esses processos intrincados responderão às mudanças nos oceanos geradas pela ação humana.

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