Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

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Reinaldo José Lopes
Descrição de chapéu senado

Vote com ciência

Que tal exigir evidências científicas antes de aceitar os planos mirabolantes do seu candidato?

Iniciemos a temporada dos slogans fofos e bregas com um trocadilho, mui gentil leitor. Muita gente por aí vai te pedir para votar consciente nas eleições vindouras. Legal (apesar da frequente cara-de-pau de quem faz o pedido), mas não basta: que tal votar com ciência?

Manifestantes com cartazes durante a Marcha Pela Ciência, na Av. Paulista. Na faixa está escrito: "sem ciência, sem futuro"
Manifestantes com cartazes durante a Marcha Pela Ciência, na Av. Paulista - Alberto Rocha/Folhapress

É sério. Dá um certo medo pensar no seguinte fato: embora as pessoas costumem cobrar “propostas” de seus candidatos, no que aliás fazem muito bem, é bastante raro que elas tentem checar se há algum tipo de encaixe entre propostas e um detalhezinho desagradável chamado realidade.

Ou, pior ainda, as tais propostas frequentemente servem apenas como teste de alinhamento ideológico ou pessoal. O candidato Fulano não merece confiança porque “tem ideias de esquerda” ou porque “liberal nem é gente”, ou então o eleitor se põe a aplaudir o que o candidato Sicrano defende só porque “eu sempre achei isso também”. E lá isso é motivo? Tá, você sempre achou isso, mas com base em quê?

Um dos principais jeitos de sair desse eterno achismo autorreferente é usar evidências científicas. Exemplo banal dos últimos dias: quem apoiou a greve dos caminhoneiros (inacreditáveis 87% dos entrevistados pelo Datafolha) pode estar fulo da vida com o diesel caro, mas uma coisa está demonstrada além de qualquer dúvida: queimar diesel a rodo por aí faz muito mal para a saúde humana.

Ou seja, a não ser que você tenha especial predileção por problemas cardiovasculares e respiratórios, em vez de aderir ao “vem pra rua” em favor dos combustíveis fósseis baratos, deveria votar em candidatos que defendam biocombustíveis inovadores e/ou carros elétricos —e, de preferência, que advoguem deixar o pré-sal no fundo do mar pelos séculos dos séculos. (Isso teria o benefício adicional de minimizar a contribuição do Brasil a níveis perigosos de mudança climática. Outro fato científico, aliás —aceita que dói menos.)

A lista poderia continuar indefinidamente. Um mundaréu de gente anda se descabelando por causa de segurança pública, dispondo-se até a votar em mula-sem-cabeça por conta disso, mas relativamente poucos se perguntam se uma política de guerra funciona para coibir o tráfico de drogas (spoiler: não funciona), ou qual o impacto da falta de saneamento básico e de escolaridade sobre o risco de uma criança virar um adulto criminoso (outro spoiler: alto).

Evidências científicas ajudariam muito a saber quem está falando bobagem, propondo políticas que só vão gastar dinheiro público para piorar as coisas.

Como sou confessamente ingênuo, mas não de todo bobo da cabeça, sei que o que estou propondo acima é só o começo. Fatos são importantes, mas escolhas políticas dependem também, em grande medida, do projeto de sociedade que você tem na cabeça: vale dizer, daquilo que desejamos ser coletivamente.

De qualquer modo, não consigo deixar de achar um alento que cientistas brasileiros estejam tentando entrar na política.

Aqui em São Paulo, é o caso do bioantropólogo Walter Neves, que deve se candidatar a deputado federal pelo PPL, e do biólogo Luciano Queiroz, que quer se eleger deputado estadual pelo PT. Não é coincidência que ambos tenham experiência com divulgação científica, sabendo, portanto, da importância da participação do público na maneira como se faz ciência no Brasil.

Pode ser que eles se revelem um desastre como políticos, mas o tipo de pensamento que eles representam precisa se infiltrar cada vez mais na consciência do país.

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