Tem coisas que a gente só faz por amor, masoquismo ou os dois. Coisas como assistir a um jogo do São Paulo Futebol Clube nos últimos tempos (sou são-paulino, gente...), levar criança a show de youtuber (e ficar com a criança lá dentro até o fim), ou o que eu fiz um pouco antes de escrever esta coluna: dar uma busca com as palavras-chaves “produtos quânticos” na internet.
Apareceu tudo quanto era coisa, lógico: pulseira quântica, florais quânticos, curso de formação de terapeuta quântico e até “amor quântico”. Trata-se de uma indústria florescente, pelo visto. Ao menos deve estar gerando emprego e renda. Mas não há a mais remota hipótese de que qualquer coisa desse tipo esteja funcionando do jeito que deveria funcionar. Em outras palavras, é picaretagem, gentil leitor.
OK, talvez os sortilégios quânticos que pululam por aí tenham algum efeito positivo atuando como placebo –aquele tratamento falso que funciona um pouquinho, contra problemas relativamente suaves, graças à fé da pessoa nele. O problema aqui, no entanto, é que a própria base do conceito –a simples ideia de aplicar princípios da chamada mecânica quântica à saúde física e mental humana– não faz o menor sentido.
De onde vem, então, a popularidade desses badulaques e elixires pseudocientíficos? Bem, ela provavelmente deriva do fato de que, como dizia o físico e ganhador do Nobel Richard Feynman (1918-1988), ninguém entende a mecânica quântica.
Considerando que Feynman faturou seu Nobel justamente pelo trabalho nessa área, a frase dele pode parecer sem sentido, mas a questão é justamente essa. A gente sabe que a mecânica quântica funciona, é capaz de usar ferramentas matemáticas precisas para descrevê-la –mas ela continua a não fazer sentido do ponto de vista das intuições humanas sobre o Universo.
A mecânica quântica descreve o comportamento de átomos e partículas subatômicas. Nesse mundo quase infinitamente pequeno, todo tipo de esquisitice acontece. Estamos acostumados a pensar nos átomos e elétrons como bolinhas sólidas, feito as de bilhar, por exemplo, mas é mais correto imaginá-los como entes algo fantasmagóricos, descritos matematicamente de modo tal que nunca sabemos com 100% de certeza em que lugar estão e qual sua velocidade.
Com efeito, o mero ato de observá-los altera essas propriedades. Mas fica pior: há ainda a noção de superposição de estados – como se uma partícula pudesse ser branca e preta ao mesmo tempo – ou o fato de que, mesmo num vácuo supostamente absoluto, desprovido de qualquer matéria, partículas “virtuais” brotam e se aniquilam, num borbulhar perpétuo. Não admira que o mundo quântico não caiba na cachola dos mortais.
O problema é que essas esquisitices levaram espertalhões a interpretar o mundo quântico como algo que “a sua mente cria”, com “a mente alterando as estruturas cósmicas”, e por aí vai. Só que os efeitos malucos continuam firmemente restritos ao mundo das partículas. Não há nada de quântico no sistema circulatório ou no cérebro humano – eles continuam funcionando exclusivamente com base na física do cotidiano, aquela que Newton começou a desvendar lá no século 17.
Por tudo isso, se você não abre mão de sortilégios, sugiro que continue trabalhando com materiais caseiros, como a roupa de baixo da pessoa amada. Pelo menos sai barato.
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