Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

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Reinaldo José Lopes
Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Cientistas brasileiros decifraram crise ambiental, mas 'primeiro-filho' só enxerga conspirações

Brasileiros ajudaram a compreender efeitos das mudanças climáticas

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A contribuição de pesquisadores brasileiros para as tentativas de compreender a crise ambiental do século 21 deveria ser motivo de orgulho para todos nós. Peço licença ao leitor para citar três casos exemplares, embora a lista completa de gente fazendo trabalho de alto nível no país sobre o tema seja muito maior.

Começo com o físico Paulo Artaxo, da USP, figurinha carimbada entre o seleto grupo de 1% de cientistas mais citados do planeta (em geral, quanto mais influentes são os estudos feitos por um pesquisador, mais eles são citados por outros cientistas em seus próprios trabalhos).

Artaxo ajudou a desvendar, por exemplo, os detalhes da formação de nuvens de chuva na Amazônia. O trabalho é cheio de nuances, mas o resumo da ópera está claríssimo: as partículas de matéria orgânica que a mata libera na atmosfera são as principais “sementes” do aguaceiro que costuma cair na região durante a estação chuvosa.

Gotículas de água e cristais de gelo vão se agregando em torno dessas partículas e começam a formar nuvens, as quais, é claro, podem despejar chuva sobre a floresta. Queimadas em grande escala alteram esse padrão porque as partículas de fuligem competem com as produzidas pelas árvores. O vapor d’água, portanto, acaba se condensando de forma mais dispersa, dificultando a formação de nuvens de chuva. Em outras palavras, queimadas tendem a produzir seca.

Tudo isso foi publicado nas principais revistas especializadas do mundo, como a Science e a Nature. O mesmo vale, aliás, para os trabalhos do climatologista Carlos Nobre, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Nobre foi um dos responsáveis por identificar a dinâmica perversa que tem se instaurado na Amazônia justamente por causa das secas prolongadas –em parte por causa das queimadas, em parte por conta do aquecimento global.

Se o processo continuar se agravando, Nobre e seus colaboradores estimam que boa parte da Amazônia vai virar savana –uma área empobrecida de vegetação aberta. E isso terá impactos sobre todo o clima da América do Sul, já que, de novo, a chuva produzida pela mata é exportada para boa parte do continente.

Outro peso-pesado da pesquisa, o biólogo Mauro Galetti Rodrigues, da Unesp de Rio Claro (SP), tem coordenado estudos que ajudam a entender o fantasma da desfaunação –ou seja, o sumiço da fauna mesmo em áreas de floresta que continuam de pé, um problema particularmente agudo na mata atlântica por causa dos séculos de caça. Sem os bichos de grande e médio porte, indicam os dados, tais matas tendem a virar “zumbis”, já que não haverá mais quem carregue sementes e ajude as árvores a se reproduzirem.

Repito: tudo isso é conhecimento sólido, chancelado pelos maiores cientistas do mundo. Mas não é o suficiente, ao que parece, para um dos atuais “primeiros-filhos”, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), e seu colega de Senado, Marcio Bittar (MDB-AC).

Em artigo no site Congresso em Foco, os dois negam que o aquecimento global seja causado pelo homem, dizem que a crise da biodiversidade é balela e que florestas não geram chuva. Afirmam ainda que o planeta está esfriando (embora nove dos dez anos mais quentes de todos os tempos tenham acontecido neste século). É tudo intriga da “ideologia verde, refúgio de esquerdistas”, bradam eles.

Como diria Monteiro Lobato, um raciocínio desses só pode advir de paranoia ou de mistificação. Qualquer que seja a opção correta, estamos em péssimos lençóis.

Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do informado na primeira versão desta coluna, foi o senador Flávio Bolsonaro (PSL) e não o seu irmão, Eduardo, quem assinou artigo que nega a participação do homem como uma das causas para o aquecimento global.

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