Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

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Fósseis ajudam a reconstruir cabeçadas entre dinos e sons de crocodilos extintos

A partir dos restos dos animais, cientistas tentam entender seus possíveis comportamentos

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“Comportamentos não se fossilizam” é uma das máximas que os paleontólogos, cientistas que estudam os seres vivos do passado, gostam de repetir –e gostam mais ainda de violar.

Com efeito, ainda que os fósseis não consigam capturar o barulho de uma preguiça-gigante mastigando ou os rituais de acasalamento de um dente-de-sabre, a observação cuidadosa de um osso fossilizado pode dizer muita coisa sobre o comportamento de um bicho que viveu há milhões de anos. Dois estudos recentes assinados por cientistas brasileiros mostram isso um bocado bem, abrindo janelas insuspeitas no muro aparentemente intransponível que nos separa da Era dos Dinossauros.

Comecemos com os ceratossauros, carnívoros de grande porte que, no hemisfério Sul, ocupavam mais ou menos o mesmo papel ecológico que o celebérrimo Tyrannosaurus rex desempenhava do lado norte da linha do Equador. Há boas razões para acreditar que tais monstros, com seus 10 m de comprimento e patas dianteiras curtíssimas, resolviam disputas por comida ou parceiros na base das cabeçadas.

Tal hipótese é defendida pelo paleontólogo Rafael Delcourt, da Unicamp, em artigo na revista especializada Scientific Reports. Pistas a esse respeito estão espalhadas pelas vértebras cervicais (do pescoço) e pelo crânio desses bichos, que apresentam uma estrutura reforçada, ideal para resistir ao impacto de certos tipos de marrada.

“Não que eles se comportassem como bodes –provavelmente não dava para o bicho sair correndo e dar uma cabeçada”, explicou-me Delcourt. Apesar do tamanhão, esses dinos, como a espécie brasileira Pycnonemosaurus nevesi, eram um pouco mais sutis. As pancadas ocorreriam a velocidades baixas, tal como fazem as iguanas-marinhas de hoje. Outra possibilidade é que houvesse duelos de pescoçadas, de maneira similar às girafas. A hipótese é fortalecida pela presença de rugosidades, calombos e, em algumas espécies, até chifres no crânio dos animais (é o caso do Carnotaurus, que não tem “touro” no nome à toa).

Já a equipe formada por William Dias, Aline Ghilardi e Marcelo Fernandes, da Universidade Federal de São Carlos, e Fabiano Iori, do Museu de Paleontologia Professor Antonio de Arruda Campos (ambos no interior paulista), conseguiu dar voz a um crocodilo de 90 milhões de anos.

Trata-se do Caipirasuchus montealtensis, cujo crânio foi analisado por meio de tomografia computadorizada, como se ele fosse um paciente do século 21. O exame revelou a existência de um sistema de câmaras no osso pterigoide, localizado atrás do céu da boca.

A passagem do ar por esse labirinto ósseo teria permitido que o bicho produzisse curiosas vocalizações – segundo a equipe, similares às dos gaviais, estranhos crocodilos de focinho longo da Ásia. (Imagine o barulho de uma bexiga cheia sendo mordida de leve por uma criança –só que alto, podendo se espalhar por mais de um quilômetro de distância do bicho!) É a primeira vez que alguém acha evidências dos sons produzidos por crocodilos extintos, aliás.  

Gente ranzinza e sem imaginação talvez se ponha a praguejar ao ler sobre essas pesquisas. “Então é nisso que andam gastando o nosso suado dinheirinho?”, esbravejarão tais sujeitos. Peço licença para discordar. A paleontologia é uma ciência relativamente barata, e o que ela nos dá em troca não tem preço: uma visão muito mais rica do nosso próprio passado.

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