Em qualquer país minimamente decente, as 270 pessoas mortas pela lama da barragem de Brumadinho (MG) em janeiro de 2019 ainda deveriam estar assombrando as consciências de todos, colocando contra a parede a premissa de que vale tudo para arrancar riquezas do subsolo.
No entanto, como isto aqui é o Brasil, quase ninguém mais se lembra daqueles cadáveres de menos de um ano atrás. E menos ainda se recordam deles os que, delirantes, acham que a mineração tem mesmo é de esburacar o caminho rumo ao progresso país afora. Por sorte, existe um negócio chamado ciência.
Uma análise que acaba de ser publicada tirou duas “fotografias” geoquímicas e biológicas do rio Paraopeba, curso d’água de mais de 500 km de extensão diretamente afetado pelos rejeitos de Brumadinho, logo depois do desastre e quatro meses mais tarde. Os dados pintam um quadro nada elogioso do que andamos fazendo com nossos rios.
Como seria de se esperar, o pobre Paraopeba foi brutalmente afetado pelo dilúvio de lama. Quatro meses depois, quando os efeitos agudos da tragédia já pareciam ter se dissipado, a situação, em vários aspectos, não era muito melhor —sinal de que Brumadinho talvez tenha sido apenas a cereja do bolo num processo mais insidioso e constante de degradação ambiental.
Está tudo descrito em artigo na revista científica Science of the Total Environment, assinado por Fabiano Thompson, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), e por pesquisadores de outras instituições no Rio, no Espírito Santo e em São Paulo.
A equipe, além de analisar a presença de metais pesados na água do rio, também verificou a presença de diversos tipos de micro-organismos nas amostras, comparando esses dados com os obtidos em anos anteriores por órgãos estaduais de Minas.
Eles avaliaram ainda os efeitos da água afetada sobre o peixinho Danio rerio, o popular “paulistinha” dos aquários domésticos. Exemplares da espécie foram expostos às amostras, de modo que as taxas de mortalidade e a presença de possíveis anomalias nos embriões de peixes indicassem os riscos trazidos por aquela água às formas de vida do Paraopeba.
Logo depois do rompimento dos reservatórios de Brumadinho, a água do rio a 6 km do local do desastre se tornou 30 vezes mais turva do que o padrão aceito para uso na legislação brasileira. A presença de ferro dissolvido n’água também era o triplo do permitido. Os efeitos se estenderam até Angueretá, a 242 km da área inicialmente afetada, onde a turbidez do rio e os níveis de ferro e alumínio na correnteza aumentaram consideravelmente.
Nos meses seguintes ao dilúvio de lama, também aumentou até dezenas de vezes a proporção de micróbios tolerantes à presença de ferro na água. A mortalidade dos embriões de paulistinha foi elevada, é claro, nas amostras de água coletada logo depois do desastre, ultrapassando 50%. No entanto, o que é ainda mais desanimador é que esse número chegou a ser ainda maior em maio deste ano, vitimando 85% dos embriões.
Ou seja, provavelmente não se trata de um resultado direto de Brumadinho, mas do ápice de um processo de deterioração do rio no longo prazo – já entre 2010 e 2012, peixes da região tinham níveis altos de zinco, cobre, mercúrio e ferro em seu organismo.
E tudo isso, vale ressaltar, num dos estados mais ricos e populosos do país. Alguém aí imagina o que pode acontecer se tivermos um “liberou geral” da mineração na Amazônia?
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