Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

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Reinaldo José Lopes

Crianças, vocês fazem parte de uma família de 8 bilhões de pessoas e milhões de espécies

As coisas maravilhosas que acontecem dentro da cabeça de vocês também estão na cabeça de outras pessoas, até nas piores

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Meus filhotes,

Observar as carinhas de vocês de longe, quando estão brincando, ou de perto, quando estão dormindo, é algo que me dá um prazer difícil de explicar. Reservo alguns segundos para fazer isso depois que coloco vocês na cama, já de olhos fechados, após fazer o sinal da cruz na testa dos dois, conforme me ensinaram.

Suspeito que parte desse prazer venha do reconhecimento de que, como membros de uma família, somos variações do mesmo tema na partitura das gerações. O mais velho tem o rosto redondo da bisa que já se foi; a caçulinha exibe os olhos levemente puxados da tia que também é a caçula no seu galho da árvore genealógica.

Sinto mais ou menos a mesma coisa quando vejo os rostos de outras famílias, em outros lugares. E aqui vem o grande segredo, o pulo do gato: as barreiras que separam uma família da outra quando caminhamos pela praia ou pelo shopping são mais fumaça do que rocha. São ilusórias — tendem a existir apenas na nossa cabeça.

A 17th-century oak carving of the Tree of Jesse from St Andrews Castle, Royal Scottish Museum
Entalhe da Árvore de Jessé, uma representação artística da árvore genealógica de Jesus Cristo - Royal Scottish Museum

Em “As Crônicas de Nárnia”, que eu espero que vocês leiam o quanto antes, C.S. Lewis diz que somos todos filhos de Adão e filhas de Eva. É um jeito bonito e antigo de reconhecer aquilo que os autores do livro do Gênesis já sabiam: existe uma unidade profunda entre os membros da espécie de bichinho à qual pertencemos, chamada de Homo sapiens pelos cientistas.

Com efeito, todas as pessoas vivas hoje são tataranetas de um grupo minúsculo —algumas dezenas de milhares de sujeitos, do tamanho de uma cidadezinha de hoje —que começou a sair da África entre 150 mil e 100 mil anos atrás, pelo que a gente sabe.

Se parece muito tempo – afinal, a gente só aprendeu a escrever e construir cidades uns 6.000 anos atrás —, é bom lembrar que se trata de mero cisco perto dos 4,5 bilhões de anos de existência da Terra.

Esse punhadinho de gente foi se espalhando aos poucos pelos continentes, às vezes tendo filhos com outras espécies de seres humanos, ligeiramente diferentes de nós, que já estavam por lá. Mesmo depois do que, do nosso ponto de vista, parece muito tempo, o resultado é que somos todos ridiculamente parecidos uns com os outros.

Um dos jeitos de medir isso é analisar o DNA, uma enciclopédia minúscula que contém as instruções necessárias para construir nosso corpo e está guardada no núcleo das nossas células. A diferença média entre o DNA de quaisquer pares de pessoas — um chinês e um finlandês, um havaiano e um zulu— é de 0,5%. Os outros 99,5% são iguaizinhos.

Essa, porém, é só parte do segredo. Nosso DNA também tem semelhança de mais de 95% com o de todos os grandes símios —chimpanzés, bonobos, gorilas e orangotangos. Conforme os outros bichos e seres vivos vão ficando menos parecidos com a gente, os números vão diminuindo devagar, mas a semelhança é sempre significativa. Isso quer dizer que a mesma coisa que vale para todos os seres humanos vale, em outra escala, para tudo o que é vivo: somos membros de uma única família.

Sim, famílias brigam — às vezes feio (como a gente sabe muito bem aqui casa). Famílias se machucam, têm interesses diferentes competindo dentro delas, às vezes se desmancham. Mas não se esqueçam nunca de que as coisas maravilhosas que acontecem dentro da cabeça de vocês também estão na cabeça de outras pessoas —até nas piores. E esse é um pensamento encorajador, como dizia o velho Gandalf.

Feliz Ano Novo pra todos nós,

Papai.

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