Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

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Pessoas com raciocínio analítico tendem a usá-lo para justificar crença, diz estudo brasileiro

No Brasil, 74% das pessoas afirmam que a religião é muito importante em suas vidas

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Vivemos num dos países mais religiosos do mundo, o qual pode ser visto como um ponto fora da curva mesmo quando comparado com nossos vizinhos sul-americanos —74% dos brasileiros afirmam que a religião é “muito importante” em suas vidas, contra 35% dos argentinos e 27% dos chilenos (a média mundial é 55%, similar aos números dos EUA). Vale a pena, portanto, tentar usar as ferramentas da ciência para entender as origens e a manutenção dessa religiosidade no país —e é auspicioso ver pesquisadores do Brasil avançando nessa seara.

Digo isso porque tive a oportunidade de assistir de camarote a parte desse avanço faz alguns dias, quando participei, por teleconferência, de uma banca de mestrado no Instituto de Psicologia da UnB (Universidade de Brasília).

Durante a defesa do trabalho de Sérgio Paulo da Silveira Nascimento, senti-me como o proverbial anão encarapitado nos ombros de gigantes (certamente eu era o menos qualificado ali), mas foi muito recompensador perceber como é possível construir conhecimento bem embasado sobre o tema no país.    

Nascimento, sob orientação dos pesquisadores Ronaldo Pilati e André Rabelo, usou dados obtidos com mais de 500 universitários do Distrito Federal e dos EUA para avaliar como influências cognitivas e sociais contribuem para declarações de crença (ou descrença) em Deus.

Trocando em miúdos: as pessoas acreditam no Senhor por terem uma propensão natural à fé ou porque essa crença foi incutida nelas?

Os papas Bento 16 e Francisco
Pesquisas apontam que dois grandes tipos de estilo cognitivo, o “intuitivo” e o “analítico”, estão correlacionados com crença e descrença em Deus, respectivamente - AFP
 

O bom senso, é claro, sugere que ambos os fatores devem contribuir para esse resultado, mas a questão é saber como e em que medida eles influenciam a (des)crença. Alguns trabalhos indicaram, por exemplo, que dois grandes tipos de estilo cognitivo (grosso modo, métodos de raciocínio), apelidados de “intuitivo” e “analítico”, estão correlacionados com crença e descrença em Deus, respectivamente.

É possível distinguir intuitivos de analíticos por meio de um teste já padronizado, que consiste em “pegadinhas” de raciocínio. Os intuitivos, mais “crentes”, tendem a usar métodos de resolução de problemas mais rápidos e aproximados, que às vezes os levam a cometer deslizes.

Exemplo: se uma raquete e uma bola custam, juntas, R$ 1,10, e a raquete custa R$ 1 a mais do que a bola, qual é o preço da bola? A resposta intuitiva é “10 centavos”, mas a correta é “5 centavos”, porque R$ 1,05 + R$ 0,05 = R$ 1,10. Os analíticos tendem a não cair na pegadinha – e têm menos probabilidade de crer em Deus também.

Por outro lado, também há evidências de que a frequência da exposição de cada pessoa a sinais claros de religiosidade desde a infância (ir a cultos, ver os pais fazendo caridade por meio de sua igreja etc.) influencia a sua declaração de crença.

Os resultados obtidos por Nascimento indicam que os dois fatores interagem de maneiras interessantes e complicadas. Ser analítico favorece um pouco a descrença, mas menos do que outros estudos mostraram, enquanto a exposição a sinais de religiosidade tem um peso maior.

E, o que é mais curioso, indivíduos analíticos que também são religiosos parecem defender sua identidade de pessoas de fé de forma mais ferrenha que os intuitivos, achando que as demais pessoas são MENOS religiosas do que realmente são.

Ou, como escreve o pesquisador, “para intuitivos, é uma afirmação ingênua de crença; para analíticos, uma racionalização da identidade religiosa herdada”. Se quisermos entender a complexidade do fenômeno da fé, é indispensável levar esses detalhes em conta.     

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