Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

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Reinaldo José Lopes

O crescimento econômico ilimitado é um mito pernicioso que precisa ir para o lixo o quanto antes

Autoabnegação e vida em comunidade são remédios contra a mudança climática

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Comecei 2021 lendo uma encíclica e um libelo ambientalista ao mesmo tempo —o que acabou fazendo um bocado de sentido, já que as premissas e conclusões de ambas as obras são surpreendentemente similares.

“Laudato Si’”, o primeiro documento “verde” escrito por um pontífice da Igreja Católica, muito provavelmente entrará para a história como o produto mais importante e original do papado do argentino Francisco. Ao colocar no topo de sua agenda o combate à mudança climática causada pelo homem, o papa se uniu a uma série de aliados improváveis, entre os quais a judia secular canadense Naomi Klein, autora de “This Changes Everything” (“Isso Muda Tudo”, livro ainda inédito no Brasil).

Tanto o livro quanto a encíclica vieram a público em meados da década passada (2014 e 2015, respectivamente). Embora os poucos anos que separam o leitor de hoje dessas datas pareçam quase um século, em certo sentido, o diagnóstico presente nas obras continua essencialmente válido. Ambas ressaltam o perigo existencial representado pela crise climática. E ambas, cada qual à sua maneira, colocam o dedo numa ferida que muitos de nós continuamos a ignorar: vivemos num planeta com limites.

A existência de tais limites planetários, tão certa quanto 2 + 2 = 4, revela com clareza, em todos os seus milhares de tons de insensatez, o absurdo por trás do dogma do crescimento econômico ilimitado. Klein diz isso logo no subtítulo de seu livro —“Capitalism vs. The Climate” (O capitalismo contra o clima). Já Francisco, mais sutil mas não menos demolidor, apresenta sua visão de uma “ecologia integral” que não poderia estar mais distante da defesa de um mercado 100% desregulado e de um Estado mínimo que faz a cabeça de alguns católicos conservadores americanos (não por acaso, inimigos ferrenhos do atual papa).

É possível dissecar o que há de lunático no dogma do crescimento sem freios de múltiplas maneiras, mas creio que a mais direta é enxergá-lo de dois jeitos complementares, um político e o outro científico. Do lado político, o fato —e trata-se de um fato difícil de contestar— é que mecanismos “de mercado”, sozinhos, fracassaram de modo retumbante na tentativa de conter a crise do clima.

Os incentivos financeiros para construir economias “limpas” simplesmente não têm como competir com o canto da sereia dos combustíveis fósseis. É simplesmente lucrativo demais continuar inundando o mundo com gasolina e gás natural, sem falar nos custos de modificar a base energética da globalização.

Se a decisão sobre o que fazer ficar nas mãos da entidade “mercado”, estaremos fadados a um aumento de vários graus Celsius até o fim deste século. Não tem como isso dar certo —ao menos para a grande maioria da humanidade.

Tanto Klein quanto o papa receitam um remédio que só parece amargo para aqueles cuja consciência foi embotada pelas últimas décadas de consumismo globalizado: autoabnegação e vida em comunidade são a chave, dizem ambos.

É o apego das comunidades tradicionais do mundo todo à terra e à água das quais dependem para viver que tem funcionado como a última barreira contra petroleiros e mineradores. E só a capacidade de se negar a usar um recurso supostamente precioso —a de deixar petróleo e carvão debaixo do solo, onde sempre estiveram— é que vai, em última instância, evitar que criemos um mundo no qual até o mais modesto crescimento econômico será uma impossibilidade física. O resto é conversa de quem acha que dá para beber gasolina e comer dinheiro. ​

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