Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

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Reinaldo José Lopes

Efeitos nefastos de megahidrelétrica na Amazônia são detalhados em estudo

No efeito sanduíche, árvores esturricadas são o recheio do lanche

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Tenho cá para mim que uma parcela significativa do impacto de um conceito científico vem da maneira como ele é batizado. Embora as raízes gregas e latinas ainda sejam amplamente empregadas para esse fim (nada contra Roma e a Hélade, muito pelo contrário), designações em idioma corrente me parecem muito mais memoráveis e claras, como a que acabei de aprender: “efeito sanduíche”. Com árvores esturricadas no recheio do lanche, aliás.

De fato, não há nada de apetitoso no tal efeito sanduíche. Ele descreve a sinuca de bico na qual se encontram certas árvores adaptadas às inundações sazonais da bacia amazônica, afetadas pela construção da hidrelétrica de Balbina a partir dos anos 1980. Tais árvores enfrentam agora o pior dos mundos possíveis —e servem de alerta para o que pode acontecer em outros locais da Amazônia na mira dos grandes empreendimentos de energia, sempre populares com os donos do poder, independentemente do rótulo ideológico que adotam.

Os detalhes da situação estão descritos em artigo que saiu há pouco na revista científica Aquatic Conservation: Marine and Freshwater Ecosystems. A equipe de cientistas, que inclui Jochen Schöngart e Angélica Faria de Resende, do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), bem como pesquisadores de outras instituições do Brasil e da Europa, mapeou efeitos da barragem da hidrelétrica que se estendem mais de 125 km rio abaixo.

O rio, no caso, é o Uatumã, no estado do Amazonas (a hidrelétrica fica 150 km a nordeste de Manaus). Seu reservatório cobre uma área de quase 3.000 km2, causando inúmeros impactos, mas uma das piores pancadas é a que tem afetado a vegetação dos igapós, os trechos da floresta que passam boa parte do ano debaixo d’água.

Em condições normais, sem barragem e hidrelétrica, o rio Uatumã inundava tais áreas de modo razoavelmente previsível, em um único pulso anual mais ou menos na mesma época. No entanto, para gerar energia de modo pouco variável ao longo do ano, o reservatório da hidrelétrica foi projetado para cortar pela raiz (sem trocadilho) essa variabilidade natural.

O resultado é o tal efeito sanduíche. As espécies de árvores adaptadas ao aguaceiro ficaram espremidas entre o fim do alagamento das áreas mais altas do entorno (que antes inundavam e agora não mais o fazem) e a inundação perpétua nas áreas mais baixas. A faixa onde as coisas ainda são normais, com os pulsos naturais de cheias e secas, encolheu brutalmente, formando o recheio fininho do sanduíche.

Até agora, 12% das florestas de igapó morreram ao longo da fatia de 125 km rio abaixo da hidrelétrica. Nas áreas mais elevadas, espécies de árvores sem relação com o ambiente original, que costumam crescer em trechos devastados, tomaram conta do lugar. E o fim do padrão natural de inundações produziu um acúmulo de matéria vegetal seca que é o paraíso (ou melhor, o inferno) dos incêndios florestais.

Os supostos defensores do tal “uso racional” dos recursos amazônicos dirão que Balbina foi muito mal projetada (o que é fato) e que os projeto hidrelétricos do século 21 são muito mais cuidadosos.

Bem, o que tem acontecido na usina de Belo Monte deixa claro que a segunda afirmação é, no máximo, uma meia-verdade – por lá, está ficando quase impossível conciliar uma vazão ambientalmente saudável do rio Xingu com as metas de geração de energia. O alerta do efeito sanduíche, portanto, tem implicações bem mais amplas. Convém dar atenção a ele. ​

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