Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

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Reinaldo José Lopes
Descrição de chapéu desmatamento

Mudança climática vai encurralar espécies únicas no Brasil e mundo afora

Micos-leões do Brasil perderiam mais de 70% do seu habitat com o planeta 3 graus Celsius mais quente

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Quem acompanha a tragédia em (relativa) câmera lenta das mudanças climáticas sabe que, tal como na tragédia em tempo real da Covid-19, a tendência perversa que predomina é a da corda arrebentando primeiro do lado mais fraco. Em desastres, quem já tinha pouco corre ainda mais risco de ficar sem nada.

Esse princípio amargo está ilustrado com clareza assustadora numa pesquisa que acaba de ser publicada por duas cientistas brasileiras, junto com colegas de diversas instituições do exterior. A equipe mostrou como o aumento da temperatura média da Terra ao longo deste século terá um efeito negativo bem maior justamente sobre as espécies de animais e plantas classificadas como endêmicas. Ou seja, as que só existem num único lugar da Terra, com distribuição geográfica restrita, e que muitas vezes já sofrem outras ameaças severas —uma descrição que, é claro, aplica-se à boa parte da biodiversidade do Brasil.

O trabalho de Mariana Vale e Stella Manes, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), está na revista científica Biological Conservation. A dupla e seus colegas analisaram mais de 80 mil projeções sobre o risco trazido pelas mudanças climáticas à biodiversidade, levando em conta 273 áreas do planeta especialmente ricas em variedade de seres vivos e espécies endêmicas, o que as torna, a rigor, insubstituíveis.

macaco em poste, com tela de metal ao fundo
Mico-leão-dourado em viveiro do Zoológico de São Paulo - Rafael Hupsel/Folhapress

O aumento da temperatura média da Terra, causado majoritariamente pela queima de combustíveis fósseis que alimenta a nossa civilização, tende a bagunçar o equilíbrio que estabeleceu essas regiões ricas em biodiversidade —não só porque elas ficarão mais quentes do que o normal, mas também porque o ciclo de chuvas e seca, o volume dos rios, a umidade do solo e incontáveis outros fatores também serão alterados. Resultado: o habitat disponível para cada espécie tende a encolher, e a grande maioria não terá como sair pelo mundo em busca de uma vizinhança mais adequada.

Portanto, más notícias seriam o esperado, mas a uniformidade delas nos dados levantados pelo trabalho é um negócio impressionante. Praticamente todas as espécies terrestres nativas sofrerão impactos negativos caso o planeta esquente 3 graus Celsius (em relação à temperatura anterior à Revolução Industrial) até o fim deste século —infelizmente, é esse o caminho que estamos seguindo. E o sinal negativo independe do lugar do mundo ou do ecossistema.

Para as espécies endêmicas, o risco de extinção é três vezes maior que para as não endêmicas —os micos-leões do Brasil, por exemplo, perderiam mais de 70% do seu habitat nessas condições, e um terço das espécies sul-americanas estariam na mesma sinuca de bico, sob risco elevado de desaparecimento, calculam as pesquisadoras.

E qual é a principal contribuição brasileira para que o cenário continue piorando? Acertou quem disse “desmatamento na Amazônia”. O mesmo que disparou nos últimos anos, e cuja redução tem sido objeto de chantagem emocional (e financeira) por parte de um certo Ricardo Salles, rapaz que faz uns bicos como cosplay de ministro do Meio Ambiente, tirando foto com filhote de onça no colo.

Salles e Bolsonaro andam tentando vender ao governo dos EUA a ideia de que querem dar um jeito no desmate —basta que os países ricos abram o cofre. É mais ou menos como tentar vender um Fusca 66, lataria detonada e motor fundido, como se fosse carro zero. Se Joe Biden quer mesmo que os EUA voltem a enfrentar a mudança climática, não engolirá esse tipo de caô.

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