Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

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Estudo mostra como ouvido interno de dinos e aves evoluiu para que eles corressem e voassem

É sempre um deleite quando uma pesquisa desconstrói os retratos simplistas da evolução dos seres vivos que dominam a cabeça das pessoas

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É sempre um deleite quando uma pesquisa consegue desconstruir os retratos simplistas da evolução dos seres vivos que ainda dominam a cabeça das pessoas. Segundo essas visões esquemáticas e equivocadas, é como se os organismos sempre estivessem “em busca do progresso”; cada detalhe da anatomia e do comportamento teria uma função clara e específica na “luta pela sobrevivência”.

Balela. No mundo real, a coisa é muito mais complicada e interessante, como mostra um estudo feito por pesquisadores brasileiros sobre estruturas do ouvido interno sem as quais nenhum vertebrado terrestre, inclusive você, conseguiria andar ou correr por aí.

Refiro-me aos canais semicirculares, e só quem sofre de labirintite é capaz de atestar como o funcionamento deles é crucial. Esses três tubinhos interconectados, que lembram rosquinhas feitas de osso, abrigam um líquido, a endolinfa, e estão acoplados a áreas cheias de células que funcionam como sensores.

Conforme a cabeça de uma pessoa ou animal se mexe, o líquido também se movimenta dentro dos canais semicirculares, e os sensores celulares vão detectando as mudanças e permitindo ajustes finos no equilíbrio corporal.

É lógico que esse sistema é importantíssimo para bichos voadores, que precisam fazer mudanças rápidas de trajetória para todos os lados, para cima e para baixo —além de focar a visão durante esses movimentos complexos. Por isso, havia a ideia de que os canais semicirculares das aves teriam evoluído especificamente para resolver os problemas cabeludos do equilíbrio durante o voo.

Foi essa ideia que Mario Bronzati e seus colegas da USP de Ribeirão Preto e de outras instituições colocaram à prova, num estudo que acaba de sair na revista científica Current Biology. O veredicto? É melhor esquecer esse negócio de que os canais das aves surgiram “para o voo”, simplesmente porque coisas muito parecidas já existiam no crânio de alguns dos primeiros dinossauros, ancestrais das aves (elas, a rigor, não passam de dinos bípedes e emplumados que escaparam da extinção em massa de 66 milhões de anos atrás).

Com efeito, os canais semicirculares das aves são bem grandes, mas o tamanho das estruturas em certos dinos era comparável. O formato bem arredondado, típico dos canais nas aves, também não é exclusivo delas e, na verdade, parece estar mais ligado ao formato do crânio —crânios mais redondos “pedem” esse desenho para que tudo se encaixe, sem razões funcionais propriamente ditas.

Era absolutamente necessário ter canais grandalhões para voar? Não: os pterossauros, primos distantes de dinos e aves, não os tinham e ainda assim voavam sem o menor problema. Ao que tudo indica, foi uma necessidade muito mais geral— a de coordenação precisa entre movimentos dos olhos, da cabeça e do pescoço durante movimentos rápidos— a responsável por produzir o padrão que ainda se mantém nos animais emplumados de hoje. Correr, saltar de árvore em árvore ou voar são tarefas igualmente importantes para essas estruturas.

Uma última ironia: jacarés e crocodilos —parentes ainda mais distantes das aves e dinos, mas ainda assim membros do mesmo grande grupo— possuem canais bem distintos, que não necessariamente tinham o mesmo formato em seus ancestrais remotos. Em vez de estarem “parados no tempo dos dinossauros”, esses animais hoje semiaquáticos jamais pararam de evoluir. Eles e todo o resto da vida, é claro.​

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