Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

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No Auto de Natal da pandemia, ministro da Saúde resolve fazer papel de Herodes ao dificultar vacinação infantil

Em nome da sobrevivência política, o rei da Judeia era capaz de qualquer coisa

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Se depender deste escriba, o apelido de "Queirodes", gaiatamente cunhado pelas boas más línguas da internet, ficará colado na testa do atual ministro da Saúde até o fim de seus dias. Marcelo Queiroga merece ser comparado a Herodes, o soberano matador de criancinhas do Evangelho de Mateus, não apenas por criar obstáculos ridículos à vacinação dos pequenos contra a Covid-19, mas também pela tremenda desonestidade intelectual que caracteriza suas atitudes —uma desonestidade tipicamente herodiana.

Com efeito, tanto o Novo Testamento quanto as fontes históricas seculares indicam que o judaísmo de Herodes, tal como o cristianismo "Deus acima de todos" do governo Bolsonaro, era mais falso que uma nota de R$ 3,50. Neto de pagãos convertidos à fé judaica pela força, polígamo e assassino de alguns de seus próprios filhos, Herodes não hesitava em fazer média com seus patronos romanos construindo templos a deuses estrangeiros em plena Terra Santa.

Ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, de máscara
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, em coletiva de imprensa - Antonio Molina - 20.dez.21/Folhapress

Em nome da sobrevivência política, o rei da Judeia era capaz de qualquer coisa —assim como o nosso "Queirodes", ao que parece. É a única explicação para que ele tenha achado normalíssima a tentativa de Bolsonaro de intimidar os funcionários da Anvisa que aprovaram a vacinação infantil —"Gente, é só pra ter transparência", disse, fazendo a egípcia (ou a herodiana).

O cúmulo da desonestidade intelectual, porém, foi a afirmação de que as mortes de crianças causadas pela Covid-19 estão num patamar baixo. A atual pandemia mostrou como é indigente a formação de parte não desprezível da classe médica brasileira, mas, ainda que levemos isso em conta, fica difícil acreditar que Queiroga não saiba fazer contas, ou simplesmente não perceba as diferenças de ordem de grandeza entre números na casa das centenas ou milhares.

Essa operação tão simples, que até boa parte dos pequenos deixados sem proteção pelo ministro seria capaz de fazer, mostra que pouco mais de mil crianças, entre recém-nascidos e os com idade até 9 anos, morreram de Covid-19 no Brasil até agora. É pouco se comparado ao universo de vítimas da doença —mas mais do que o total de crianças que morreram por causa de todas as demais enfermidades que podem ser prevenidas com vacinação no país nos últimos 15 anos, como mostrou reportagem do UOL. Em 2020, dez brasileiros dessa faixa etária morreram por causa do sarampo, por exemplo. (Mortes, aliás, que provavelmente poderiam ter sido evitadas se os índices de vacinação no Brasil não estivessem caindo de maneira preocupante.)

Se Queiroga sabe de tudo isso (se não sabe, deveria saber), a única explicação para suas atitudes é a subserviência canina à claque de tapados, malucos e canalhas do bolsonarismo. É a mesma matilha que fica repetindo o mantra "vacina experimental, vacina experimental" para falar de imunizações que passaram por todos os trâmites exigidos para a aprovação de qualquer outro fármaco do tipo. Imunizações, aliás, que já foram usadas amplamente em crianças nos EUA.

A maior ironia natalina de toda essa situação é que o Herodes histórico provavelmente não ordenou a "Matança dos Inocentes" —a maioria dos especialistas diz que a narrativa é uma criação teológica do evangelista Mateus. Já a morte de crianças por Covid-19 no Brasil continua sendo bastante real. O sangue delas, como o de Abel, ainda clama desde a terra onde foi derramado.

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