Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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O país onde ir ao estádio pode dar cadeia para mulheres

Proibida de entrar em estádio, iraniana morreu após incendiar seu próprio corpo

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Pode ser que você nunca tenha ido ao estádio, nem tenha muita curiosidade para saber como é a experiência de ocupar uma arquibancada. Mas se um dia você decidir se dar essa chance, é simples: basta comprar o ingresso e ir. Ou ainda encontrar um jogo gratuito de base ou do futebol feminino para prestigiar.

Ir ou não ir a um jogo de futebol, no caso da maioria das pessoas do mundo, depende única e exclusivamente de uma escolha sua.

Mas se você é mulher e vive no Irã, essa escolha já foi feita sem que a sua opinião fosse levada em conta. 
Lá, a presença feminina é proibida nos estádios de futebol (e de outros esportes também) com a justificativa de que isso serviria para "protegê-las das grosserias de um homem", conforme explicou em 2018 o procurador-geral do país, Mohamed Jafar.

Faixa durante amistoso entre Irã e Suécia, em 2015, pede a liberação da entrada de mulheres iranianas nos estádios
Faixa durante amistoso entre Irã e Suécia, em 2015, pede a liberação da entrada de mulheres iranianas nos estádios - AFPJONATHAN NACKSTRAND -10.set.2019/AFP

"Que uma mulher vá ao estádio e encontre homens quase pelados com roupas de esporte, isso leva ao pecado", declarou.

Diante disso, algumas mulheres tentam a sorte, usam um disfarce masculino e buscam passar despercebidas pela segurança.

Às vezes funciona, outras, como no caso de Sahar Khodayari, não. Ela foi presa quando tentou ir a um jogo do Esteghlal FC e, nesta semana, morreu após ter ateado fogo em si própria.

A atitude se deu pelo desespero de saber que poderia ficar até dois anos presa pela sua atitude.

Não sei se existe alguém no mundo incapaz de se comover com uma história dessas. 

Uma mulher morreu por não aguentar viver nas amarras de um sistema que a oprimia tanto, a ponto de impedi-la até mesmo de torcer para o seu time.

Você consegue imaginar o sofrimento que deve ser não ter o simples poder de escolha para decidir ir a um jogo de futebol? 

Você, torcedor, consegue se colocar no lugar dessa mulher e pensar no que seria da sua vida se fosse impedido de entrar num estádio para ver seu time jogar pura e simplesmente por você ser quem você é?

E tudo isso aconteceu em pleno 2019. Existe um país, em 2019, onde mulheres são presas por tentarem ir a um jogo de futebol. 

É preciso reler essa frase algumas vezes para conseguir acreditar que ela é real. Para tudo isso se tornar ainda mais bizarro, basta dizer que a Fifa ainda não fez nada a esse respeito. Claro, houve uma série de manifestações de indignação e até mesmo uma mensagem de condolência aos familiares de Sahar Khodayari pelo ocorrido. Mas nenhuma pressão efetiva ao Irã para que o país mudasse essa regra absurda. 

"Soubemos das notícias muito tristes do Irã e lamentamos profundamente esta tragédia. A Fifa transmite as suas condolências à família e aos amigos de Sahar. Reiteramos nossas convocações às autoridades iranianas para que garantam a liberdade e a segurança de todas as mulheres que participam de uma luta legítima para pôr fim à proibição dos estádios."

Dá para fazer mais, né, Fifa? Que tal banir o Irã das suas competições oficiais enquanto o governo do país continuar banindo a presença das mulheres nos estádios? 

Que tal dizer para os iranianos que sua seleção não poderá nem sequer disputar as eliminatórias para o próximo Mundial se não acabar com essa proibição absurda? 

A morte dessa torcedora não pode ser em vão. É o momento da comunidade do futebol se unir por essa causa. A campanha não é de hoje, mas precisa ser ecoada: deixem as mulheres iranianas entrarem nos estádios.

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