Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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Renata Mendonça

Conhecimento sobre futebol não depende do gênero

Se você nunca precisou responder se sabe o que é impedimento, deve ser homem

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Você sabe o que é impedimento? Se você nunca precisou responder essa pergunta na vida para comprovar seus conhecimentos sobre futebol, considere-se um privilegiado —ou melhor, um homem. E se você é um deles, provavelmente já fez essa pergunta a uma mulher em alguma ocasião (esperamos que já tenha passado dessa fase, né?).

De certa forma, tudo começa com a regra do impedimento. Não a regra formal, do campo, mas a que rege nossas vidas indiretamente fora dele. Mulheres não gostam e não entendem de futebol, ponto.

Pode admitir, você já pensou isso. Talvez ainda pense. Você já deixou de comentar o resultado do jogo com uma mulher porque achou que ela não iria corresponder no papo. Você já se admirou com o conhecimento de uma mulher sobre futebol quando a ouviu reclamar de um atacante que perdeu um gol feito. Você com certeza já deixou escapar um: "nossa, mas você entende mesmo hein?".

Tudo bem você ter sido essa pessoa. Tudo bem se você um dia imaginou que futebol era exclusividade do cromossomo y no ser humano. Realmente, você só podia ver homens nesse universo mesmo.

Torcedoras se habituaram a ouvir: "Você sabe o que é impedimento?" - Eduardo Knapp - 12.jun.16/Folhapress

Na TV ou no rádio, toda transmissão de jogo tinha voz masculina. Nos programas esportivos, também. E nas colunas sobre futebol dos jornais. E na beira do gramado fazendo reportagem. Dentro de campo, jogando, apitando, comandando. Homens, homens, homens. Sempre foram só eles ali. Então nada mais normal do que você seguir essa lógica: futebol? Homens. Novela? Mulheres.

Até meu pai já pensou assim. Ele não me convidou para ir ao estádio quando levou meu irmão pela primeira vez. Eu tinha 12 anos e nunca me esqueci disso. Obviamente que me revoltei com o acontecido. Sabe o que ele me respondeu? "Filha, eu não sabia que você gostaria de ir." Mesmo eu sentando ao lado deles na sala em todos os jogos, torcendo, vibrando, mesmo assim, meu pai não achou que eu pudesse querer ir ao estádio. Por quê? Porque eu sou menina.

É claro que meu pai já mudou de ideia há muito tempo e hoje morre de vergonha quando eu conto essa história. E felizmente, muitos dos amigos que um dia fizeram o "quiz" comigo perguntando o que era impedimento para ver se eu "entendia" mesmo de futebol, hoje me assistem na TV e me ouvem ou leem no dibradoras e aqui na Folha falando disso.

É 2019, já deu para perceber que conhecimento sobre futebol não depende de gênero ou cromossomo, mas sim de incentivo.

Ainda assim, os clichês seguem se repetindo. O que vocês, homens, acham que vai acontecer na final da Libertadores? O que você, mulher, acha que vai acontecer no final da novela?

É só uma brincadeira do apresentador em um programa esportivo. É "só" a brincadeira que a gente passou a vida inteira ouvindo e que fez com que todas nós precisássemos provar 30 vezes nossa capacidade de estar ali comentando ou escrevendo sobre futebol. É a brincadeira que ajuda a explicar por que nas redações esportivas as mulheres são só 13% —e, se considerarmos as comentaristas de transmissões nacionais de futebol na televisão, elas são uma só (Ana Thais Matos, na Globo/SporTV).

Talvez seja a hora de acabar com a brincadeira. "Ah, mas agora tudo é machismo [vale também para racismo ou homofobia]. O futebol está ficando muito chato".

Que bom que ele está ficando chato para você, preconceituoso. Para nós, já é chato faz tempo e nunca ninguém se importou com nossa opinião.

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