Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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Renata Mendonça

Prisão de Jean não é 'só' caso de polícia

É preciso que o mundo do futebol pare de silenciar situações como essa

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O goleiro Jean foi acusado e detido nos Estados Unidos por agredir sua esposa, tendo desferido nela oito socos, segundo descreve o boletim de ocorrência registrado em Orange County. No Brasil, a prisão repercutiu, e um comentário que muito se ouviu de torcedores nas redes sociais ou até mesmo de jornalistas e comentaristas esportivos foi que "esse é um caso de polícia, não tem nem o que discutir".

Na verdade, tem muito o que discutir. E é cada dia mais imprescindível que esse debate sobre violência contra a mulher aconteça também na esfera esportiva. Reduzi-lo a apenas um "inquérito policial" faz com que a gente não pare para pensar por que casos assim acontecem e são ainda mais difíceis de serem denunciados quando envolvem ídolos do esporte.

O goleiro Jean, do São Paulo, acusado de agredir a esposa - Ronny Santos - 5.fev.18/Folhapress

O caso de Jean não é inédito no futebol. Dudu, atacante e hoje ídolo do Palmeiras, chegou a ser condenado pela Justiça de Goiás por ter agredido a esposa e a sogra em 2013.

Pouca gente comentou na época e hoje quase ninguém fala dessa história. O atacante Robinho foi condenado por estupro na Itália e, na semana seguinte, estava entrando em campo pelo Atlético-MG em 2017.

O ex-jogador Vampeta foi acusado de ter agredido a mãe de suas filhas em 2004, quando jogava pelo Vitória. Ela chegou a levar cinco pontos na cabeça e registrou queixa na delegacia da mulher.

O também ex-jogador Carlos Alberto foi outro acusado de agredir a companheira em 2004, e ela conseguiu medida protetiva pela Lei Maria da Penha para mantê-lo afastado.

Esses foram apenas alguns dos casos que ficamos sabendo. Nenhum deles teve graves consequências para os atletas envolvidos. Sem dúvidas, há muitos outros que nunca foram denunciados por medo das mulheres e pela pressão que elas sofrem nessa situação. "Você acabou com a minha carreira. Suas filhas vão passar fome", foi essa a primeira resposta que Jean deu à esposa quando ela pediu socorro nas redes sociais após ter sido agredida pelo jogador.

Filhas essas que são também de Jean, mas que ele acusa a esposa como "culpada" pelo caso de elas passarem fome se ele for denunciado e perder o emprego. Em meio a tantas ameaças, ao medo e à pressão familiar (às vezes até pressão da opinião pública), as mulheres desistem de levar a denúncia adiante.

Fora o São Paulo, que divulgou nota impecável na noite de quarta-feira e decidiu rescindir o contrato com Jean, nenhum outro clube chegou a se manifestar publicamente e de maneira tão contundente sobre esses casos de violência contra a mulher envolvendo seus atletas. Eles muitas vezes ignoram os crimes e inclusive contratam esses jogadores.

O goleiro Bruno, que cumpre pena por ter assassinado a ex-namorada, recebeu diversas propostas de clubes quando começou o regime semiaberto. Tem gente que até faz piada com a forma cruel como ele matou a mulher.

Poderia citar aqui também as dezenas de casos de mulheres agredidas por astros da NFL. Os atletas seguiram com suas carreiras intactas, sem nenhuma punição por parte da liga de futebol americano dos Estados Unidos.

Todos esses são os tais "casos de polícia" que o futebol —e o esporte em geral— ignora porque não sabe ou não quer lidar com eles. Uma mulher é agredida a cada quatro minutos no Brasil. Só em 2018, foram mais de 145 mil casos registrados por aqui. É preciso que o futebol pare de silenciar crimes como esse.

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