Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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Renata Mendonça

Quando jogadoras são gandulas para jogadores

Torço pelo dia em que ser atleta de futebol signifique ter apenas uma profissão

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Era uma partida do Campeonato Mineiro, com o Atlético-MG recebendo o Tupynambás no Independência. Além da estreia do técnico venezuelano Rafael Dudamel diante da torcida, houve um acontecimento bem menos midiático —mas não sem importância— que marcou o jogo: as gandulas da partida foram jogadoras do time feminino profissional do Galo.

Eram jogadores profissionais dentro de campo e jogadoras profissionais fora dele. Eles jogavam, elas repunham as bolas.

Isso aconteceu por conta de um convite da diretoria do Atlético-MG para as atletas do time feminino. Normalmente, os gandulas dos jogos do Galo costumam ser jogadores da base, mas eles estavam fora, em competição.

Já que as mulheres utilizam a mesma estrutura de treinamento que a categoria sub-20 masculina no clube, por que não dar a elas as mesmas oportunidades oferecidas a eles? Esse foi o pensamento da diretoria, que fez o convite. O pensamento das seis atletas que aceitaram foi receber os R$ 90 extras que entrariam na conta com esse trabalho (baseado em depoimentos ouvidos por esta colunista).

Time feminino de futebol do Atlético-MG
As jogadoras do time feminino do Atlético-MG - Divulgação/Atlético-MG

Primeiro, é importante mencionar que a média de salário oferecida para jogadoras profissionais de futebol da primeira divisão do Campeonato Brasileiro era de até dois salários mínimos (cerca de R$ 2.000) em 2017, segundo pesquisa realizada pelo UOL.

Isso é a elite do futebol feminino —sem falar nas equipes menores, que disputam segunda divisão ou só o estadual e que não têm um time de camisa por trás. Nesses casos, muitas vezes nem salário as atletas recebem, só uma ajuda de custo. Claro que a oportunidade de ganhar R$ 90 por jogo atuando de gandula não é de se jogar fora nesse contexto.

Mas vamos tentar ir além da análise simplista de enxergar essa situação apenas como uma "oportunidade de trabalho para quem precisa ganhar algum dinheiro". A frase de Janaína Costa, empregada doméstica formada em história, talvez seja a que melhor descreva o que aconteceu nessa partida em que jogadoras repunham as bolas enquanto jogadores jogavam com elas: quando uma necessidade é legitimada por uma desigualdade.

Se pudessem escolher, essas atletas prefeririam estar no Independência como gandulas ou como jogadoras dentro de campo? Por que elas, como atletas profissionais de futebol, precisam buscar uma renda extra repondo bola, e eles, que compartilham a mesma profissão, não precisam se preocupar com isso?

E aqui não estou falando que jogadoras e jogadores deveriam ter o mesmo salário. Ainda existem inúmeras diferenças de mercado (e também de contexto) entre futebol feminino e masculino que não permitem isso agora. Mas será que a desigualdade tem que ser tanta a ponto de, num mesmo clube de camisa (e de orçamentos milionários), as atletas do time profissional precisarem atuar como gandulas de um jogo do time masculino ganhando R$ 90 para complementar a renda no fim do mês?

"Ah, mas nenhuma delas estava ali obrigada. Foram porque quiseram." Foram porque precisam. Porque o dinheiro que ganhariam ali faria diferença para elas. Se tivessem um salário um pouquinho maior, provavelmente não abririam mão do domingo de folga para repor bola de um jogo do Campeonato Mineiro.

Torço pelo dia em que ser jogadora de futebol signifique ter apenas uma profissão —dentro de campo, sem precisar de nenhum bico fora dele para complementar a renda.

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