Não sei exatamente quando eu aprendi o que era um clássico no futebol. Só sei que logo eu entendi que todas as vitórias eram legais, mas algumas eram mais legais que outras. Quando era o tal rival o adversário, uma vitória era quase um título, e uma derrota, a certeza de ser motivo de chacota no dia seguinte.
Uma rivalidade não existe por acaso, mas por causa da história. São tantos confrontos entre si, tantas finais disputadas, é tanta torcida envolvida, que aquilo que seria só mais um jogo de campeonato ganha o peso do que chamamos de “clássico”.
São confrontos tão importantes que, por exemplo, no Sul, todo Gre-Nal vem acompanhado do número que ele representa na história —o último foi o 422, o que significa que essas duas equipes se enfrentaram 422 vezes no futebol masculino.
Às vésperas do dérbi que acontecerá na primeira rodada do Campeonato Brasileiro de futebol feminino (Palmeiras x Corinthians, domingo, em Vinhedo, às 14h), fui atrás das informações históricas sobre esse clássico entre as mulheres.
Mas se você digitar “dérbi feminino” no Google, tudo o que aparece é relacionado ao futebol dos homens. Aliás, deles há até mesmo uma página de Wikipedia contando a história desse clássico, que existe desde 1917, já teve mais de 1.000 gols e soma um número igual de vitórias para cada lado (127). Sobre o dérbi das mulheres, não há uma linha que se encontre.
Se a internet não tem essas informações, ao menos os clubes devem ter, certo? Não têm. A CBF poderia disponibilizar? Não há registros por lá também. A Federação Paulista? Ali apareceu finalmente alguma coisa. São 6 dérbis femininos encontrados, 5 vitórias corintianas, 1 palmeirense. Foram 24 gols do Corinthians e 9 do Palmeiras. Ainda assim, nesse curto histórico, faltam informações básicas como os locais desses jogos, o público e quem fez os gols.
Considerando que o primeiro dérbi paulista no futebol masculino aconteceu em 1917, tempos de meios de comunicação escassos e de recursos bastante limitados, seria até plausível que as informações daqueles primeiros jogos tivessem sido perdidas —e não foram.
O primeiro Corinthians x Palmeiras entre as mulheres aconteceu 80 anos depois, em 1997, quando as tecnologias já se multiplicavam, havia inclusive transmissão de TV dessas partidas (o Paulista feminino daquele ano foi exibido na Band) e, ainda assim, essa história “se perdeu”. Aliás, nem dá para dizer que ela se perdeu. Ela simplesmente nunca foi registrada. Por quê?
“Essa ausência de registro representa a falta de reconhecimento da importância da existência das mulheres no futebol. É considerar que esse espaço não é delas, então não merecem registro, visibilidade.
É uma anulação simbólica da presença feminina no esporte mais popular do país”, definiu a professora doutora e especialista em gênero, esporte e futebol feminino Silvana Goellner.
Não registrar a história do futebol feminino é uma forma de não reconhecê-la. Isso ajuda a explicar por que não encontramos informações básicas desse passado. Em meio a proibições por lei e muito preconceito, as mulheres sempre jogaram.
Um novo capítulo dessa trajetória começará a ser escrito neste domingo, quando um dérbi feminino voltará a acontecer após quase 20 anos (o último foi em 2001). Que, desta vez, os registros históricos não se percam pelo caminho.
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