Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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Futebol ajuda a entender o coronavírus no Brasil

País está como time na luta contra o rebaixamento em meio a crise de bastidores

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Tem quem diga que é só um jogo, mas o futebol pode ajudar muito a entender a loucura que vivemos nessa pandemia de coronavírus no Brasil.

Nosso país está como um time na luta contra o rebaixamento em meio a uma crise de bastidores que repercute todos os dias na imprensa e dificulta as chances de recuperação.

Na véspera do jogo decisivo, o capitão do time vai para a balada (padaria) e enche a cara (limpa o nariz e cumprimenta idosos). O técnico é quem tem que dar as explicações. Na primeira, na segunda ou na terceira vez, ele vai dizer o padrão, que o time está unido, todos contra o mesmo adversário (coronavírus) em busca dos três pontos (sobreviver). Só que na quarta vez ele fala a verdade. O time não está mais unido.

O técnico já tinha caído antes de cair - Ueslei Marcelino - 15.abr.20/Reuters

Na imprensa, as manchetes estampam a crise, os pontos (vidas) perdidos, o caos se instaurando, enquanto os bastidores pegam fogo. Um tenta discutir a estratégia para vencer a próxima partida, o outro quer atenção.

No fim, o técnico já tinha caído antes de efetivamente cair, e o substituto, claro, vai jogar com outro esquema. Vai seguir as ordens do capitão e respeitar a “hierarquia”. E segue o jogo até o adversário nos lembrar que subestimá-lo é uma ousadia que custa caro. Outros fizeram isso e foram surpreendidos pela velocidade de ataque dele, que, em tão pouco tempo, já disparou no placar nos impondo 140 mil derrotas. Foram 140 mil vidas perdidas no mundo todo até agora.

Mas o capitão insiste em dizer que “não é tudo isso”. Que perder algumas partidas (“alguns vão morrer”) faz parte e que nosso time (“o brasileiro”) precisa ser estudado, porque ele não cai (“não pega nada, o cara pula em esgoto e não acontece nada com ele”). O risco do rebaixamento só aumenta, enquanto o líder da equipe diz que “ele já está passando”.

No futebol, a gente sempre diz que existe um roteiro para um clube seguir até ser rebaixado —e ele raramente falha. Troca de técnicos, time rachado, péssima gestão, tudo isso leva, quase que inevitavelmente, uma equipe a ter que brigar para não cair. Algumas conseguem se recuperar no limite, por acertos feitos na reta final. Outras não resistem e levam o baque —olha o que aconteceu com o Cruzeiro no ano passado, um dos poucos grandes que nunca haviam caído.

O Brasil até agora segue quase que à risca todo esse roteiro, só que numa disputa que não vale divisão, vale vidas. Uma briga de egos que pode custar não os “três pontos”, mas o colapso do Sistema Único de Saúde —e da saúde como um todo no país inteiro. Enquanto médicos e enfermeiros fazem de tudo “em campo” para garantir nossa sobrevivência, fora dele a gente assiste a uma picuinha que mais parece dos alunos da 5ª série B, e não de políticos eleitos para liderar um país de 200 milhões de habitantes.

Quem poderia imaginar que o futebol nos daria a melhor lição sobre como lidar com uma pandemia. O segredo é simples, é só “jogar junto”. Dentro de campo, de nada adianta você ter os melhores jogadores ou ser o time mais rico, se o coletivo ali não sobressair. Maior prova disso é a Copa do Mundo de 2006, quando nem o quadrado mágico com Ronaldo, Adriano, Ronaldinho e Kaká resolveu para nós. Se não joga como time, não vence. Se não ficarmos em casa, uns pelos outros, todos perderemos.

O maior “mito” que conhecemos até agora é o de que essa doença é só “uma gripezinha”. Quem insistir nisso vai perder de goleada.

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