Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Renata Mendonça
Descrição de chapéu Coronavírus

Futebol acima de tudo é novo lema do Brasil, o 'país do coronavírus'

Com público ou sem, falar em retorno no momento mais crítico da pandemia é distopia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Mortes acima de todos (os países). Por pelo menos sete dias (três deles seguidos), o Brasil foi o líder mundial em mortes diárias por coronavírus. O país quadruplicou o número de vítimas da doença nas últimas três semanas. E o que se vê nas manchetes dos jornais são estratégias para o retorno do futebol.

Não só isso, aliás, fala-se em reabertura do comércio na próxima semana, a tal “retomada consciente” (mas ciente de que ela acontecerá quando os casos ainda se multiplicam diariamente), o retorno ao “normal” –ou ao tal “novo normal”, expressão que ninguém sabe definir o que é, mas já virou clichê nesses tempos de pandemia.

Tudo isso quando o número de mortes no Brasil segue crescendo. Parece que, por aqui, o que permeia a volta às atividades é o tédio de ficar em casa, e não as evidências científicas de que é, sim, seguro retornar –até porque não temos nenhuma dessas evidências ainda.

No futebol, já temos a perspectiva da retomada do Campeonato Carioca. O plano agora é que por volta de 14 de junho já tenhamos jogos do estadual do Rio de Janeiro acontecendo.

Se estaremos batendo recordes de mortes diárias ainda até lá? Não sabemos, mas com certeza teremos recordes de audiência e gols do Gabigol, que é o que realmente importa depois de mais de dois meses de pandemia, não é mesmo? O pão nem tanto, mas o circo está garantido, enquanto o vírus faz o resto.

Falou-se até em ter 50% de público liberado no retorno do Carioca. O Campeonato Alemão voltou sem público, mas nós, que temos três vezes mais mortos do que eles, podemos ter torcedores no estádio. É só manter a distância de dois metros entre uma pessoa e outra, afirmava a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Energia e Relações Internacionais no pacto social pela saúde e pela economia do estado do Rio de Janeiro.

Uma medida muito simples de ser implementada nas arquibancadas, tinha tudo para dar certo. Todo dia um sete a um diferente.

Ao menos por ora, essa ideia ficou para trás, ainda bem. Mas com público ou sem público, falar em retorno do futebol no momento mais crítico que já tivemos até aqui da pandemia é uma distopia. O Brasil hoje parece estar vivendo duas realidades antagônicas: a dos números e da ciência, que mostra o coronavírus nos tirando mil vidas quase que diariamente; e a dos políticos e bajuladores de Bolsonaro, que aparentemente acham que ignorar o vírus vai fazê-lo desaparecer.

Da esq para a dir: Márcio Tannure, médico do Flamengo, Jair Bolsonaro, Rodolfo Landim, presidente do clube, e Aleksander Santos, diretor de relações institucionais do clube carioca
Da esq para a dir: Márcio Tannure, médico do Flamengo, Jair Bolsonaro, Rodolfo Landim, presidente do clube, e Aleksander Santos, diretor de relações institucionais do clube carioca - Márcio Tannure - 19.mai.20/Instagram

Em São Paulo, ao menos por enquanto, os quatro grandes têm demonstrado sensatez e já se manifestaram contra a volta do Campeonato Paulista sem que antes haja sinais de que a pandemia está sendo controlada. São tempos tão esquisitos que a gente precisa elogiar o básico: respeitar orientações de autoridades da saúde no meio de uma pandemia.

A parada de mais de dois meses do futebol tem perdas irreparáveis para todas as partes envolvidas. Os clubes, que em grande parte já viviam dificuldades financeiras, enfrentam uma crise sem precedentes, jogadores e jogadoras tiveram cortes do salário, perderam até empregos em alguns casos.

A CBF precisa estar atenta a isso, principalmente pensando em clubes menores (séries C e D e futebol feminino), para garantir a sobrevivência deles nesses tempos difíceis. Porque nenhuma perda é mais irreparável do que as mais de 25 mil vidas que se foram nessa pandemia.

As autoridades –do futebol e do país– deveriam pensar (e respeitar) mais nisso antes de determinarem a volta dos jogos. Porque essas vidas, infelizmente, já não voltam mais.

Imagem feita do alto por um helicóptero mostra jogadores do Flamengo treinando em um campo do CT do Ninho do Urubu
Globocop flagra treino do Flamengo no CT do Ninho do Urubu durante pandemia de Covid-19 - Reprodução

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.