Os Estados Unidos foram tomados por protestos nos últimos dias contra o assassinato brutal de George Floyd, um homem negro de 46 anos que morreu implorando pela vida ao policial branco que o asfixiava.
“Eu não posso respirar”, dizia ele, na cena que rodou o mundo e deixou muita gente indignada. Inclusive muitos atletas, que se manifestaram.
O astro da NBA LeBron James, a maior tenista da história, Serena Williams, a seis vezes campeã olímpica de atletismo Allyson Felix, as jogadoras de futebol campeãs do mundo no ano passado Alex Morgan e Megan Rapinoe, o hexacampeão da F-1 Lewis Hamilton, os atacantes Jadon Sancho, do Borussia Dortmund, e Marcus Thuram, do Borussia Mönchengladbach, entre tantos outros grandes esportistas internacionais (brancos e negros), se uniram ao coro de “Vidas negras importam” (#BlackLivesMatter).
Chamou ainda mais a atenção a atitude da tenista Naomi Osaka, a mulher mais bem paga do esporte atualmente (de acordo com a lista da Forbes divulgada neste mês), que chegou a ir a um dos protestos e afirmou: “Só porque não está acontecendo com você, não significa que não está acontecendo”. Ao longo das décadas, vimos a importância de atletas fazerem coro a questões urgentes da sociedade.
Poderíamos voltar no tempo e lembrar Jesse Owens no pódio olímpico na Alemanha nazista em 1936, ou Tommie Smith e John Carlos em 1968 fazendo o gesto dos Panteras Negras, com o punho cerrado para o alto, até chegarmos a 2016, quando o quarterback Colin Kaepernick se ajoelhou na execução do hino americano e, mais recentemente, a 2019 com a seleção americana de futebol feminino movendo um processo judicial contra a confederação (US Soccer) por discriminação de gênero. Historicamente, atletas falam, reivindicam, não se calam.
No Brasil, o que vemos é o oposto. Até mesmo quando são questões que afetam os esportistas diretamente, a maioria deles prefere o silêncio e a alienação.
Fico me perguntando quando isso tudo começou. Se é uma herança da ditadura que deixou rastros de punitivismo no esporte: quem falar sofrerá as consequências. São raros os que se posicionam, e os poucos que o fazem acabam mesmo sofrendo represálias. Isso, de certa forma, ajudou a propagar a ideia de que esporte e política não se misturam. Nada mais interessante para os poderosos do que mantê-los separados.
Na cobertura da Copa do Mundo feminina no ano passado, a atacante americana Megan Rapinoe não apareceu relacionada para a semifinal contra Inglaterra e, nas redes sociais brasileiras, todo mundo já tinha sentenciado o motivo para isso: ela havia criticado o presidente Donald Trump no dia anterior, era óbvio que tinha sido cortada por isso.
Para nós, do Brasil, é impensável um atleta fazer uma crítica política tão forte e sair “ileso”. A gente “se acostumou” a não ver posicionamentos de atletas e normalizou a punição deles quando “falam demais”.
No fim, não tinha nada disso. Rapinoe havia sentido uma lesão e ficou fora para se preservar. Foi craque da Copa, artilheira e seguiu lutando por igualdade de gênero e emprestando sua plataforma para dar voz a questões urgentes, como o combate ao racismo.
É triste que, no Brasil, boa parte dos nossos craques do esporte se posicionem numa votação de BBB, mas pouco se manifestem sobre o racismo e o fascismo escancarados por aqui nestes tempos. Nesse caso, o silêncio também é forma de se posicionar. Ainda bem que as torcidas mostraram no último domingo que futebol e política são melhores juntos.
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