Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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Por que a maior artilheira das Copas incomoda?

Há uma necessidade recém-adquirida de reafirmar Klose como artilheiro da Copa masculina

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Na última semana, comemorou-se um ano de mais um feito histórico de Marta no futebol. Até 2019, o alemão Miroslav Klose era conhecido como “o maior artilheiro da história das Copas”, com 16 gols.

Sendo assim, imaginava-se que, se um dia alguém fizesse 17 tomaria dele esse posto. Marta fez, mas dizem que “são esportes diferentes” o futebol praticado por ela e pelo alemão (ainda que tenham as mesmas regras, as mesmas dimensões de campo, gol e bola).

Disseram que Marta é a maior artilheira das Copas femininas (o que ela já era antes de começar o Mundial de 2019) e Klose é o maior artilheiro das Copas masculinas. O curioso é que quando falam dele, costumam se “esquecer” de colocar o “masculinas” no final. “Não faz sentido a comparação”, foi o que ouvi muitos dizerem.

Não há comparação alguma nesta frase: Marta é a maior artilheira das Copas. Por que essa afirmação incomoda tanto? Por que há uma necessidade tão grande recém-adquirida em reafirmar Klose como maior artilheiro da história da “Copa do Mundo masculina” e Marta como maior artilheira da história da “Copa do Mundo feminina”? Até 18 de junho de 2019, não havia nenhuma exigência para adicionar o “masculina” na hora de falar do feito de Klose. No dia em que uma mulher o ultrapassou, curiosamente eles se lembraram: são coisas diferentes, precisa especificar o gênero.

Já repararam que nos acostumamos a subentender que, quando falamos de um esporte ou de uma competição sem especificar o gênero, estamos falando da modalidade masculina? O maior artilheiro das Copas, a maior artilheira das Copas femininas. O maior artilheiro da seleção brasileira, a maior artilheira da seleção brasileira feminina. O maior vencedor do tênis, a maior vencedora do tênis feminino.

Em português, quando se fala em artilheiro, já se especifica o gênero —ainda assim, no feminino a gente faz duas vezes. Em inglês, não há designação de gênero na pergunta “Who is the top scorer of the World Cup history?” (Quem é o maior artilheiro da história da Copa do Mundo?), mas ainda assim as respostas para “top scorer”, “biggest winner” (maior vencedor), “best of all times” (melhor de todos os tempos) sempre são atletas homens.

A escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie tem um livro chamado “O perigo de uma história única”. No esporte (ainda mais no futebol), só uma única história nos foi contada: a dos homens. Quando mulheres excepcionais que superaram proibição por lei e muito preconceito para ocupar algum espaço nos gramados conseguem uma marca tão expressiva (como 17 gols em Copas do Mundo), a reação deveria ser exaltar —mas muitos preferem relativizar.

Vivemos em um mundo que considera tudo o que mulheres fazem menor, mais fácil, sem o mesmo valor do que quando um homem faz. Olhem para a história. Quantas mulheres que inventaram coisas importantes, desenvolveram tecnologias, participaram de avanços na ciência nós conhecemos? Os homens estão em todos os livros de história, de biologia, de física. As mulheres não estão. É como se os feitos delas fossem sempre menos importantes. Sempre tem o asterisco, a observação, o “feminino”.

Nunca é absoluto.

Temos a oportunidade de mudar essa realidade e destacar o mérito de uma mulher considerada a maior jogadora de todos os tempos. É a chance de contar a história do esporte sob uma perspectiva que transcende gênero e reconhecer mulheres como parte dela, não intrusas que precisam ficar presas na “caixinha do feminino”. Gols são gols. Por mais que tentem, não vão conseguir mudar a matemática. E nela, 17 > 16.

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