Quem reparou no banco de reservas do Bayern de Munique, na final da Champions League em Lisboa, talvez tenha notado uma presença inusitada. Entre os jogadores substitutos, o treinador e auxiliares, havia uma mulher. Desavisados podem ter pensado que sua função era apenas levantar placa de alteração do time alemão ou cumprimentar jogadores na saída do campo. Mas o papel exercido por Kathleen Krüger está longe de ser coadjuvante.
A chamada “team manager” do Bayern de Munique é protagonista em um clube que valoriza demais suas origens, os atletas que vestiram sua camisa e quem fez história com suas cores. Karl-Heinz Rummenigge, o atual presidente, foi ex-jogador do clube, assim como Hasan Salihamidžić, diretor de futebol, e o próprio técnico, Hansi Flick. É o caso também da gerente do time, Kathleen Krüger.
Ela jogou no Bayern no início dos anos 2000 como meio-campista, mas desistiu logo da carreira (aos 24 anos) porque, à época, o futebol feminino não era um meio de sobrevivência. Foi estudar e, em 2009, começou a trabalhar no seu clube do coração, onde iniciou sua paixão pelo futebol —primeiro como torcedora, depois como atleta. Naquele mesmo ano, virou assistente do diretor de esportes, Christian Nerlinger e, em 2012, assumiu o posto de “team manager”.
Essa é uma função muito peculiar porque diz respeito a tudo o que envolve um time fora do campo. A logística para os jogos, o planejamento para viagens, até mesmo a dieta dos jogadores. Kathleen Krüger é o elo entre os jogadores e a comissão técnica/dirigentes. Sua competência no cargo a fez ganhar espaço no clube e ela passou a ocupar um lugar no banco de reservas —que nos chama a atenção porque no futebol masculino é difícil ver mulheres aparecendo como protagonistas fora das quatro linhas.
Quando Pep Guardiola foi para o Manchester City, ele tentou levá-la para lá, mas Krüger preferiu ficar no clube que a “criou” e seguiu colecionando títulos com ele —inclusive no último domingo, quando recebeu o cumprimento de todos os jogadores do Bayern na beira do campo ao final do jogo.
Ainda existe muita resistência à presença feminina no futebol no mundo todo, especialmente quando falamos de times masculinos. No Brasil, ainda é impensável ver uma mulher no banco de reservas de um clube na elite nacional exercendo um papel de protagonismo, seja como médica do time, auxiliar técnica, ou “gerente-geral”, como é o caso de Krüger.
Mas essa é uma questão que também afeta equipes femininas. Na atual primeira divisão do Brasileiro feminino, só existem duas treinadoras entre os 16 times. Há clubes entre esses que não têm nem sequer uma mulher trabalhando no departamento de futebol feminino (é o caso do São Paulo). Só há um time em que as mulheres são maioria na gestão da equipe feminina (caso da Ferroviária, atual campeã brasileira).
Quando olhamos para a pesquisa da Fifa de 2019 que mapeou a presença feminina no futebol em cada confederação, vemos que o problema da formação de treinadoras ainda é recorrente no mundo todo. Mas, comparando Brasil e Alemanha, há uma diferença simbólica: entre os 1.368 técnicos com licença por aqui, só 15 (1%) são mulheres. Lá, dos 63.868 treinadores licenciados, há 3.406 (5%) mulheres.
Quanto mais recorrentes forem cenas como as que vimos no domingo, com mulheres também assumindo protagonismo no futebol, mais veremos surgir outras “Kathleen Krügers” para diminuir essa diferença no esporte.
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