Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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Não haveria forma pior de começar o Campeonato Brasileiro

Faz sentido iniciar um campeonato com a marca de 100 mil vidas perdidas?

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Passamos os últimos meses debatendo quando e como o futebol deveria voltar em meio à pandemia do coronavírus no Brasil.

No fim de julho, a CBF anunciou os dias do retorno dos torneios nacionais, ainda que não conseguisse prever se a situação estaria melhor ou não em 8 e 9 de agosto. A entidade não poderia ter sido mais precisa na escolha da data: no fim de semana em que o Brasil atingiu a triste marca de 100 mil mortes, o Campeonato Brasileiro estava de volta.

Seria uma triste coincidência se tudo não fosse tão previsível um mês atrás. Desde o fim de maio, o Brasil registra em média mais de mil mortes por dia pela Covid-19. Era só colocar esses números numa planilha e deixar a máquina fazer a conta —a projeção já em julho nos mostraria isso.

E faz sentido começar um campeonato com a marca de 100 mil vidas perdidas? A resposta foi dada na primeira rodada, com o adiamento de jogos nas Séries A e C e uma partida da Série B acontecendo mesmo após oito atletas de um mesmo time testarem positivo para o coronavírus.

O caso de Goiás e São Paulo é muito simbólico e deveria servir de “protocolo do que não deveria ser feito” durante uma pandemia tão grave. Primeiro, os resultados dos testes dos jogadores do Goiás só ficaram prontos no domingo, dia do jogo, pela manhã —e tinham 10 casos positivos.

Depois, descobriu-se que, entre as inúmeras recomendações da CBF para o retorno do campeonato, não havia nenhuma sobre o que fazer quando 10 atletas de uma mesma equipe são diagnosticados com coronavírus. E para fechar a sequência de absurdos, a decisão de adiamento só veio na hora do apito inicial, quando o São Paulo já estava em campo, pronto para jogar.

O árbitro Caio Max Augusto Vieira conversa com jogadores do São Paulo no estadio Serrinha antes da suspensão da partida contra o Goiás
O árbitro Caio Max Augusto Vieira conversa com jogadores do São Paulo no estadio Serrinha antes da suspensão da partida contra o Goiás - Heber Gomes-9.ago.20/AGIF

A CBF alega que a decisão de adiar foi dela, mas coincidentemente só veio depois que o pedido do Goiás para a não realização do jogo foi acatado pelo STJD. O São Paulo, por sua vez, entrou em campo, mesmo diante de todo o imbróglio que precedia a partida e não se manifestou enquanto não foi confirmado o adiamento.

Uma série de omissões que mostram que, ao contrário do que tem se falado entre os principais dirigentes de clubes e da confederação, a prioridade talvez não seja voltar com segurança —e sim, simplesmente “voltar”.

Quando questionei o presidente da comissão médica da CBF, Jorge Pagura, por que o futebol estaria voltando, mesmo sem que a pandemia estivesse controlada, a resposta foi: “Não é o futebol, são todas as atividades que estão voltando. Nós já temos restaurantes abertos, parques abertos. E nós vamos fazer com um nível de segurança excepcional”.

O nível de segurança “excepcional” ficou evidente logo na primeira rodada: 10 casos de Covid-19 no Goiás diagnosticados no dia do jogo; 8 casos de Covid-19 no CSA, e o time estreou normalmente na Série B; 12 casos de Covid-19 no Imperatriz e o jogo cancelado na Série C; um árbitro da 2ª divisão que descobriu estar com coronavírus quando já voava para o destino do seu jogo —ele foi substituído e não atuou na partida entre Ponte Preta e América-MG, mas o assistente, que viajou ao seu lado, foi para o campo, sem ter sido testado de novo (apesar de ter tido contato direto com alguém infectado).

Protocolo “seguro”?

No país do futebol com mil mortes diárias, o “novo normal” é “tocar a vida” como se nada estivesse acontecendo enquanto fingimos que a pandemia já passou. O que o presidente, autor dessa expressão, não percebeu ainda é que 100 mil pessoas já não conseguiram seguir seu conselho por causa da doença que ele chama de “gripezinha”.

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