Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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Futebol e política não só se misturam; eles se confundem

Palmeiras x Flamengo deixou isso claro para quem ainda tivesse alguma dúvida

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Nos últimos dois ou três anos, Palmeiras e Flamengo se acostumaram a dividir um protagonismo nacional —fora de campo, pelas finanças, e dentro, pela disputa do título. O confronto entre os dois passou a gerar mais expectativas, mais pressão em caso de derrota e, consequentemente, mais lenha na fogueira nos bastidores.

No jogo de domingo (27), que não deveria ter acontecido, ficou claro para quem eventualmente ainda tivesse alguma dúvida: futebol e política não só se misturam —eles se confundem.

Vimos alguns dirigentes do Flamengo alegando, ao pleitear o adiamento da partida, que essa era uma questão de “saúde pública”.

Pedro e Gómez duelam no jogo que não deveria ter sido realizado - Amanda Perobelli - 27.set.20/Reuters

Com 19 jogadores contaminados e um surto de Covid-19 em seu elenco, o clube entendeu que estaria colocando em risco os jogadores do Palmeiras se os enfrentasse no domingo. Três dias depois, o mesmo Flamengo entrará em campo contra o Independiente Del Vale no Maracanã, pela Libertadores, mas não houve um movimento para adiar essa partida. A “questão de saúde pública” aparentemente estaria resolvida até o meio da semana.

O Flamengo não foi o único clube que defendeu a volta do futebol no auge da pandemia, mas foi, juntamente com o Vasco, o primeiro a marcar uma reunião com o presidente Jair Bolsonaro para conversar sobre o retorno da bola rolando quando o país batia recorde de mortes diárias por Covid.

À época, Rodolfo Landim, mandatário do clube, questionava: “Por que não voltar o futebol? Só porque a curva da pandemia é ascendente?”.

No Brasil, o futebol imita a política em muita coisa, principalmente na narrativa. Os discursos bonitos são usados e adaptados quando convém, mas raramente eles saem da teoria para virar prática.

Toda essa situação me fez lembrar um episódio curioso e emblemático da nossa história: a votação de impeachment de Dilma Rousseff. A expressão mais ouvida no palanque da Câmara dos Deputados naquele domingo de abril de 2016 foi “contra a corrupção”.

É até engraçado que isso tenha sido lembrado por tantos deputados, sendo que 60% daquele mesmo Congresso votante respondia a ações penais por alguma irregularidade —muitas delas envolvendo lavagem de dinheiro e, pasmem, corrupção.

A hipocrisia reina na política e também no futebol. Enquanto alguns cartolas rubro-negros lembram a “questão de saúde pública” num campeonato que começou justamente quando o país atingia 100 mil mortes por coronavírus, outros participam da reunião da CBF pleiteando o retorno imediato do público aos estádios.

Havia um plano para que isso acontecesse já em 4 de outubro, no Maracanã, estádio simbólico do futebol e da pandemia, já que ali do lado foi construído um hospital de campanha onde muitas pessoas choraram a morte de seus familiares.​

Tudo, claro, respeitando as autoridades de saúde. Considerando que elas já liberaram os jogos com torcida no Rio de Janeiro, por que não executar o planejado já neste fim de semana?

A preocupação com a saúde vale para os jogadores, mas aparentemente não para os torcedores.

E ressalte-se também que a hipocrisia e o egoísmo não são exclusividade do Flamengo —são marcas registradas dos clubes na história do futebol brasileiro. Eles se autossabotam ao abrir mão de olhar o todo para focar apenas os seus próprios umbigos.

Mas, se os cartolas tentam transformar o futebol numa disputa política e até jurídica para se beneficiar, alguns jogadores aparecem para nos lembrar a essência do jogo.

O discurso emocionado do goleiro Neneca, do Flamengo, ao final da partida resgata o que muitos dirigentes já não conseguem mais enxergar: futebol é sobre sonhar, sentir, realizar. Não há liminar que consiga suspender isso.

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