Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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Renata Mendonça
Descrição de chapéu Futebol Feminino

O que um 29 a 0 não mostra

É possível perder por um placar tão elástico e não sair derrotado do campo

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Convencionou-se, no futebol brasileiro, chamar uma derrota acachapante de “vexame” ou “vergonha”. Fala-se também em “humilhação”. Essas palavras foram e ainda são frequentes em discussões sobre o fatídico 7 a 1 que a seleção masculina tomou em 2014.

Mas para além desses “rótulos” muitas vezes exagerados, derrotas assim às vezes suscitam debates importantes e urgentes. O 7 a 1, por exemplo, nos fez falar das diferenças de planejamento das categorias de base até o profissional entre Brasil e Alemanha. Porque uma goleada assim sempre tem um contexto que ajuda a explicá-la.

Jogadores do Taboão receberam o apoio de atletas da Ferroviária após a goleada por 14 a 0
Jogadores do Taboão receberam o apoio de atletas da Ferroviária após a goleada por 14 a 0 - Twitter da Ferroviária

Na última semana, o Taboão da Serra, time que participa pela primeira vez do Campeonato Paulista feminino, levou 29 a 0 contra o São Paulo e virou notícia nos principais jornais e programas esportivos do país. Claro, não dá para ignorar um placar desses. Mas quando “só” o resultado vira manchete, alimenta clichês e não promove o debate necessário.

“Olha aí como o futebol feminino é um lixo”, disseram. O interessante é que, na mesma semana, houve um 13 a 0 no Campeonato Holandês, e ninguém vai dizer que o futebol masculino é ruim por causa disso. “O São Paulo deveria ter tirado o pé”, foi outro comentário frequente. O problema não foi a quantidade de gols. O xis da questão, aliás, não foi o que aconteceu em campo, mas sim o que não foi feito fora dele muito antes desse jogo.

A jogadora Nini, do Taboão, disse que ela e suas companheiras não recebiam nada do clube. Que não tinham uniforme, nem campo para treinar. Que foram reunidas de última hora para representar o time no campeonato. E que aceitaram todas essas condições porque elas têm um sonho: jogar bola.

Sonho este que sempre foi permitido aos milhões de meninos do Brasil, mas chegou a ser proibido (até por lei) para as meninas. Para quem driblou até a legislação pelo direito de jogar, contrariou a lógica imposta pela sociedade e seguiu encontrando saídas mesmo quando todas as portas se fechavam, o que é uma derrota por 29 a 0?

Derrotados são aqueles que inscreveram a equipe no campeonato, mesmo sem dar às jogadoras condições mínimas de trabalho para disputá-lo. Para elas, estar em campo é uma vitória. Ocupar esse espaço que sempre foi negado para as mulheres é motivo de orgulho. A vergonha é só dos dirigentes.

Por isso, após a segunda goleada sofrida (por 14 a 0), as jogadoras do Taboão foram abraçadas pelas adversárias numa cena que ficará marcada na história do campeonato. O time todo da Ferroviária, atual campeã brasileira, fez uma roda, com as atletas do CATs no centro, num gesto simbólico, que ficou ainda mais bonito após a entrevista da veterana Andreia Rosa.

Jogadora do time de Araraquara, ela lembrou sua própria história no futebol feminino, disse que ali, naquele mesmo clube, já havia jogado sem salário, sem apoio, sem o dinheiro para a passagem de ônibus.

Teve muita luta para que hoje a Ferroviária virasse modelo de gestão no futebol feminino. E muita insistência de jogadoras e ex-jogadoras para tornar a bola um sonho possível também para as meninas.

Hoje, o Campeonato Paulista tem transmissão no Facebook, o Brasileiro na Band, e os jogos estão cada vez mais competitivos. Seria importante que, além do 29 a 0, também virasse notícia o 3 a 1 do Corinthians em cima do Santos, o 2 a 1 da Ferroviária em cima do Palmeiras, as quartas de final do Brasileiro que começaram...

Visibilidade traz investimento, que traz desenvolvimento, que faz com que placares elásticos assim fiquem no passado. Que o futebol feminino seja pauta frequente, não só em momentos como esse.

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