Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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Descrição de chapéu jornalismo mídia

Ausência de rostos negros no jornalismo esportivo deveria incomodar

Se as portas já estão fechadas para as brancas, para as negras estão trancadas a sete chaves

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Para quem não sofre do novo tipo de “daltonismo” inventado pelo presidente da República, é inegável que vivemos ainda em 2020 numa sociedade racista. E se restasse qualquer dúvida, o próprio 20 de novembro deste ano veio escancarar isso logo nas primeiras horas do dia, com o assassinato brutal de João Alberto Silveira Freitas em Porto Alegre.

Tente encontrar um caso de uma pessoa branca espancada até a morte por seguranças de um supermercado. Já percebeu que, “coincidentemente”, pessoas brancas não são perseguidas no shopping por funcionários desconfiados de que poderiam ser assaltantes? Já ouviu falar de alguma situação em que uma pessoa branca teve o carro alvejado por 80 tiros quando voltava de um chá de bebê?

Tudo isso é regra, não exceção.

Como também é certo que marcas e empresas promoverão alguma campanha de marketing ou post nas redes sociais para marcar o Dia da Consciência Negra.

Desse jeito, seguimos falando para fora e nos esquecendo de olhar para dentro. Pensando no futebol, de todos os clubes, patrocinadores e até veículos esportivos que programaram algo especial para o 20 de novembro, quantos têm negros ocupando cargos de chefia? Quantos se preocupam em falar sobre representatividade negra para além do penúltimo mês do ano?

Mais do que um país racista, o Brasil é um país que tolera facilmente o racismo —e nós, brancos, temos parte nisso. Quando a gente trabalha em uma empresa e não questiona a falta de negros em postos de comando; quando liga a TV e não estranha a ausência de rostos negros; quando frequenta restaurantes e não se incomoda ao ver brancos curtindo e negros apenas servindo…. Esse é o status quo que herdamos desde os tempos de escravidão. Se não fazemos algo para alterá-lo, somos coniventes com o racismo.

No ano passado, quando um raro jogo da Série A teve dois treinadores negros no comando dos times em campo, perguntaram a um deles o que aquilo representava e por que não havia mais técnicos negros na elite do futebol brasileiro.

Questionamentos assim costumam ser direcionados apenas às pessoas negras, como se elas precisassem explicar o racismo que opera na sociedade. É preciso que os técnicos e dirigentes brancos também sejam perguntados sobre isso, que eles também se incomodem. No jornalismo esportivo, a ausência de mulheres precisa incomodar os homens também.

Falando nisso, olhe para a televisão hoje, para os principais programas esportivos, para as transmissões de jogos e bancadas de debate. Quantas mulheres vocês veem? E quantas delas são negras?

O depoimento da apresentadora da Globo, Aline Aguiar, na última sexta-feira, foi emblemático: “Meu sonho era ser repórter esportiva. Mas eu sou mulher e negra. Por ser mulher, eu já sofria preconceito, porque ‘mulher não sabe de futebol’, e por ser negra, a minha imagem não era a esperada para estar nesse meio”.

Se as portas já estão fechadas para as brancas, para as negras elas estão trancadas a sete chaves.

Quando se questiona o racismo que ainda faz com que um país onde 56% da população se autodeclara preta tenha raros rostos negros na TV, vão dizer que é “mimimi”, “vitimismo”, vão citar a Glória Maria (que, por muito tempo, foi a única referência).

Como me disse uma das poucas jornalistas esportivas negras que ocupa esse espaço na televisão hoje, existe uma “solidão de referências” para elas. “Ainda somos as últimas da fila."

O 20 de novembro é o dia da consciência, mas precisamos transformar os outros em dias de prática.

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