Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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Renata Mendonça
Descrição de chapéu Campeonato Brasileiro 2020

Demitir técnicos não traz melhores resultados

Estudo mostra que treinador virou cargo político nos clubes brasileiros

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Assim como na vida há uma única certeza (a morte), no futebol brasileiro também há uma previsão infalível: as demissões de técnicos.

O Brasil é campeão mundial nesse quesito. Tivemos 21 rodadas e 17 trocas de treinadores até agora na Série A do Campeonato Brasileiro.

São inúmeros os fatores que ajudam a explicar isso: o amadorismo de clubes e dirigentes, a anuência dos treinadores, a nossa falta de autocrítica (da imprensa). Colocamos tudo na conta do resto, sem perceber que também temos uma parcela de contribuição para essa cultura imediatista que demite técnicos a cada duas ou três derrotas, conforme já foi abordado neste espaço.

O técnico catalão Domenèc Torrente, demitido do Flamengo no último dia 9
O técnico catalão Domenèc Torrente, demitido do Flamengo no último dia 9 - Amanda Perobelli - 18.out.20/Reuters

Aliás, duas ou três, não. Precisamente quatro. Uma sequência de quatro resultados ruins é o que costuma decretar o fim do trabalho de um treinador no Brasil. Essa foi uma das conclusões de um estudo que se aprofundou sobre todas as trocas de técnicos que aconteceram em 16 temporadas da Série A (de 2003 a 2018). Os pesquisadores Matheus Galdino, Pamela Wicker e Brian Soebbing elaboraram esse trabalho na Universidade do Esporte da Alemanha e constataram: no Brasil, treinador foi transformado em cargo político nos clubes.

Ao longo desse período, foram 594 mudanças de comando e 264 treinadores fazendo parte dessa dança das cadeiras. De acordo com o estudo, são três os principais fatores levados em conta em demissões: resultados numa sequência de quatro jogos; expectativas superestimadas quanto ao desempenho do time; eliminação em competições de mata-mata.

Houve temporadas em que um técnico saiu (às vezes demitido, às vezes pedindo demissão) de um clube e acabou voltando para ele no mesmo ano. Aconteceu com Renato Gaúcho no Fluminense em 2003, Vadão na Ponte Preta em 2005, Mancini no Vitória em 2009, Ney Franco no mesmo Vitória em 2014, Guto Ferreira no Bahia em 2017, entre outros.

Se a alternativa que o clube encontra para resultados ruins é sempre a demissão do técnico, os números deveriam mostrar que essa mudança tem um bom impacto esportivo ---ou seja, que ela traz resultados melhores em campo.

“Cientificamente, a mudança de comando leva sete jogos para revelar um efeito mínimo. Os dados mostraram que um novo treinador, sozinho, não traz resultados melhores, nem piores, para alterar a realidade de um clube durante o Brasileirão”, explicou Galdino.

“Quando o dirigente descarta um treinador, faz uma mobilização política e especulativa. A mídia fica presa em discutir quem está entrando e saindo e não redireciona o holofote para o tomador de decisão, ou para o acúmulo de dívidas e efeitos colaterais dentro e fora do clube. Falta conhecimento técnico e transparência por parte dos dirigentes na seleção e avaliação de treinadores. Por isso, o cargo de treinador no Brasil não é esportivo, é político e institucional”, concluiu.

Não é por acaso que, dos sete últimos colocados do Brasileiro até agora, todos trocaram de técnico ao menos uma vez; que os três times que mais trocaram de comando (duas vezes ao longo do campeonato) estejam na zona de rebaixamento (Coritiba, Botafogo e Goiás). E também não é coincidência que, entre os sete primeiros colocados, só três tenham trocado (um deles por vontade do treinador).

É praticamente impossível desenvolver um trabalho em dois ou três meses. Jurgen Klopp, com um dos elencos mais caros do mundo, chegou à sua primeira conquista após quatro anos no Liverpool. Demitindo técnico atrás de técnico, vemos a cultura amadora do nosso futebol se perpetuar enquanto reclamamos da qualidade do jogo, sem perceber que nós mesmos somos responsáveis por matar qualquer possibilidade de evolução dele.

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