Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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Apesar de Bolsonaro, temos vacina e comemoramos 'gol' de Monica

Caminhada ainda é longa, mas nunca estivemos tão próximos da vitória

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Parecia clima de Copa do Mundo. A manhã do domingo, 17 de janeiro de 2021, mobilizou brasileiros à frente da televisão. Não era a seleção brasileira em campo, nem valia título mundial, mas aquele momento marcaria "o início do fim" de uma batalha iniciada dez meses atrás.

Quando o árbitro apitou o início da disputa, ainda em março de 2020, o comando técnico acusou que a derrota seria por goleada.

"O número de pessoas que morreram de H1N1 é na ordem de 800 pessoas. A previsão é não chegar a essa quantidade de óbitos no tocante ao coronavírus", disse Jair Bolsonaro em 22 de março do ano passado. A previsão dele foi superada 20 dias depois. Hoje, são mais de 210 mil vidas perdidas.

Galvão.

Fala, Tino.

Sentiu.

Para ele, era "só uma gripezinha", como reiterou no dia 24 de março, evidenciando o pior defeito que um comandante pode ter diante de seus comandados: a incapacidade de fazer o diagnóstico correto do que está acontecendo em campo.

O que técnicos costumam fazer quando veem o time mal dentro de campo, sem conseguir reagir, são trocas buscando a recuperação. Bolsonaro até fez mudanças, mas parecia que buscava o pior.

O Ministério da Saúde deveria ser o camisa 10 do time para combater um ataque tão perigoso orquestrado pelo vírus, mas Bolsonaro deixou esse posto para quem nem jogador era. Um general costuma ser convocado quando a ordem é matar. Ao que parece, foi essa a instrução do treinador para que ele entrasse em campo.

"Eu não sou coveiro, tá certo?", disse o presidente em 20 de abril de 2020. "E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Sou Messias, mas não faço milagre", foi a frase dele em 28 de abril do mesmo ano. Ali, já passava a impressão de que a derrota seria irreversível.

"Quem é de direita toma cloroquina, quem é de esquerda toma Tubaína". Em maio, fora de campo, o comandante se divertia criando clima de Fla-Flu, como se o que estivesse em disputa fossem votos, e não vidas. Em agosto, quando o Brasil atingiu a triste marca de 100 mil mortes, Bolsonaro desdenhou de quem ainda estava cumprindo o distanciamento social ficando em casa: "Isso é para os fracos".

Quando as notícias sobre a evolução na corrida da vacina começaram a surgir, em novembro, veio o gol contra. Em vez de reagir, a postura do comando técnico brasileiro foi se conformar: "Lamento os mortos, todos nós vamos morrer um dia".

Estava quase impossível acreditar na virada quando, no dia 17 de janeiro, após mais de cinco horas do tempo regulamentar, o diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, fez o brasileiro vibrar diante da TV.

"Temos vacina. Agora, num futuro tangível, nossa população poderá ter acesso aos imunizantes", disse. E menos de uma hora depois, fizemos nosso gol mais bonito nessa disputa. A enfermeira Monica Calazans, 54 anos, mulher, negra, corintiana, foi a primeira vacinada do país.

"Eu não posso ter medo, se eu tiver medo, eu não cuido do próximo. Humanização, solidariedade e carinho é o que o próximo precisa agora. Sou brasileira, negra, mulher, moro na ZL, estou fazendo parte da história dessa vez. Que a população acredite na vacina. É a grande chance que temos de salvar vidas."

Para cada negacionista, egocêntrico, genocida como este que comanda o país, existirão milhões de Monicas para responder com generosidade, empatia e ciência. Ainda não podemos celebrar com os gritos de Galvão de "Acabou, Acabou, É TETRA" porque a caminhada ainda é longa. Mas nunca estivemos tão próximos da vitória.

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