Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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Renata Mendonça

Para além das flores do 8 de março, o que você faz nos outros dias?

Data que celebra a luta das mulheres não é dia de chocolate, é dia de revolução

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Hoje já não é mais 8 de março. Passaram as flores, os chocolates, as homenagens, os clichês. Às vezes com o desdém de quem não entende a importância da data: “o dia da mulher é todo o dia”. Sempre com muitos “parabéns” da boca para fora e nenhuma reflexão da cabeça para dentro.

Mas hoje já não é mais 8 de março. Não tem parabéns, tem invisibilidade. As mulheres que se multiplicam na TV nesse dia, somem em todos os outros ao longo do ano. O olhar apurado de repórteres e editores esportivos (em sua maioria homens) para as mulheres como pauta dura um dia ou no máximo um mês. Me acordem quando março acabar.

O ‘todo dia’ das mulheres, na verdade, é de sobrevivência. Não preciso repetir os números que vocês viram nesta segunda-feira (8) nos jornais. O recorde de feminicídios, os casos de violência doméstica, a diferença salarial, a ausência delas nos cargos de chefia, a perda do emprego após a maternidade. Fatos e dados que muitos gostam de chamar de “mimimi”. Mas finalmente descobri a real definição para essa palavra tão repetida nesses tempos: mimimi é toda a dor que não dói na gente (vi num post do Instagram).

Eu sei, você não é machista. Mora numa casa com mulheres. Tem até mãe, irmã, esposa, filhas. Quer chamá-las aqui para atestar sua “inocência”? Grava um vídeo. Divulga nas redes. Não há condenação na Justiça que resista a um vídeo com esposa e filhas nas redes sociais.

Você não é machista. É só uma coincidência que esteja sempre elogiando o trabalho dos colegas homens, mas não note a qualidade do mesmo trabalho de colegas mulheres. E que não cite referências femininas quando questionado sobre os profissionais que te inspiram ou até mesmo quando vai fazer uma lista de “melhores” dessa ou daquela área, desse ou daquele esporte. Já reparou que nomes de mulheres como INSPIRAÇÃO ou REFERÊNCIA nunca aparecem na sua cabeça? Mas e se te perguntassem sobre beleza? Ah, é natural que nesse caso a listagem seja toda feminina.

Aliás, está aí uma coisa que você sempre elogia nas suas colegas de trabalho. A beleza. O fulano fez um ótimo trabalho, a fulana está linda. Essa é a ordem natural das coisas: homens criam, inovam, revolucionam. Mulheres embelezam o ambiente. E, claro, dão todas as condições para os homens fazerem tudo isso sendo ótimas mães, esposas, cozinheiras, etc. Já reparou que, na escola ou na faculdade, as leituras que você fez tinham sempre autores homens? Os inventores do telefone, da energia elétrica, do avião, eram sempre homens? Consegue perceber que tudo isso foi feito para que a “ordem natural das coisas” parecesse mesmo natural e se mantivesse ao longo dos séculos e séculos sem fim?

Só que as verdadeiras revolucionárias foram elas, que não aceitaram viver dessa forma e foram buscar seu protagonismo. Saíram da cozinha, do tanque, do lugar que tinham escolhido para elas e fizeram suas próprias escolhas. O 8 de março não é dia de chocolate, é dia de revolução.

Votar. Ser candidata a um cargo político. Ser eleita. Casar por vontade própria, se divorciar, não casar, abrir conta em banco sem um “tutor”. Comprar uma casa, dirigir um carro, andar na rua sem a companhia de um homem. Ter um emprego e pagar suas contas com ele. Ao poder trabalhar, criar seu próprio trabalho, sua própria empresa.

Jogar bola, ser jogadora, narrar o jogo, comentar o jogo, comandar o jogo.

Tudo isso já foi proibido (formalmente ou informalmente) para mulheres. Nada foi dado, tudo foi conquistado –e a gente nunca teve preguiça de lutar.

Mas 8 de março já passou, você já deu flores, deu parabéns. O que você faz nos outros dias?​

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