Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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Com saída de Holan, futebol brasileiro mostra seu verdadeiro cartão de visitas

Hoje, boas-vindas costumam vir como pichação em muro, intimidação e até rojão caseiro

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O cartão de visitas do futebol brasileiro já foi o Brasil de 1970. O time que tinha “cinco camisas 10”, com Pelé, Tostão, Gérson, Rivellino e Jairzinho e que encantou o mundo por sua forma envolvente de jogar.

Hoje, o cartão de visitas pode até ser esse para quem é de fora, mas as boas-vindas costumam vir em forma de pichação em muro, intimidação na saída do jogo ou no aeroporto e, pasmem, até rojão caseiro na porta de casa.

As “condições normais de temperatura e pressão” do futebol brasileiro são essas. É ter que ler “tetra é obrigação” na parede do clube que tenta se reerguer após anos de má administração que resultaram em dívidas e em uma punição da Fifa impedindo a contratação de reforços. Ou então “Acorda Abel” para o treinador que chegou em novembro e, em cinco meses, conquistou uma Libertadores e uma Copa do Brasil.

É ouvir diariamente na televisão ou ler no jornal que o cargo do treinador “está em risco” após duas ou três derrotas numa sequência de jogos e viagens dia sim, dia não. Na CNTP do nosso futebol, o técnico campeão brasileiro já começa a temporada pressionado, e o campeão da América também.

Há exatamente duas semanas, Ariel Holan, então comandante do Santos, deu uma entrevista ao canal Diário do Peixe respondendo por que havia decidido deixar a Universidad Católica para assumir o Santos.

“Sempre admirei muito o futebol brasileiro, desde menino. O Brasil de 1970 é único. Era um sonho para mim dirigir uma equipe no Brasil. [O que me trouxe foi] a alegria de ter a oportunidade de vir para um clube como o Santos, que despertava tanto no meu imaginário, onde jogou o Rei."

Duas semanas depois, o futebol brasileiro apresentou a ele sua verdadeira face. O Brasil de 1970, o Santos de Pelé são espectros de um passado muito distante —até porque a gente faz questão de matar qualquer tentativa de resgatar essa essência em dois meses (ou três derrotas).

Foram 5 jogos nos últimos 10 dias (para reforçar: um a cada 48 horas) e nenhum tempo para treinar em um clube que perdeu os pilares da equipe vice-campeã da Libertadores e que aposta nos talentos que produz em casa (de 16, 17, 18 anos de idade) para suprir a ausência de quem saiu e dos reforços que não vão chegar. Não só pela punição da Fifa, mas também porque o clube não tem dinheiro para contratar. Tetra é obrigação? Sério?

Ariel Holan entra em campo na Vila Belmiro antes da partida contra o Corinthians pelo Paulista
Ariel Holan entra em campo na Vila Belmiro antes da partida contra o Corinthians pelo Paulista - Ivan Storti - 25.abr.21/Divulgação Santos

Obrigação deveria ser dar a jogadores e treinador as condições mínimas de trabalho, como, por exemplo, o salário em dia —e, ao que se sabe, Ariel Holan não havia recebido nenhum até pedir demissão. Um técnico argentino que deixou o Chile (país onde a situação da pandemia está mais controlada do que no Brasil) para assumir o Santos num projeto desenhado para durar três anos e que não chegou a completar três meses.

Ainda há quem critique o treinador pela decisão. Que insanidade é essa que nos faz achar “normal” rojões na porta de um prédio após a derrota em um clássico nas circunstâncias em que ele foi disputado? Intimidar jogadores, atirar pedras no ônibus de um time (como aconteceu com o São Paulo na temporada passada) e pichar muros são atitudes tão corriqueiras que não percebemos o absurdo que elas representam.

Estamos fadados mesmo ao jogo por uma bola —resultado acima de tudo, amadorismo acima de todos. Pep Guardiola não duraria dois meses por aqui. Jurgen Klopp seria demitido nas primeiras semanas. Não fazemos jus ao futebol que faz nossa fama lá fora.

O Brasil de 1970 e o Santos de Pelé não têm culpa de terem "seduzido" Holan. O Brasil e o Santos de 2021 tornam seu pedido de demissão inevitável.

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