Escrevo enquanto tento imaginar a sua dor quando não ouviu seu nome entre as convocadas para os Jogos Olímpicos de Tóquio. Não tenho a pretensão de traduzir esse sentimento.

Mas preciso te dizer: há atletas que escrevem uma história; outros que mudam a história; e há aqueles que, de tão grandiosos, são a história. O seu verbo, Cris, será sempre no presente. O futebol feminino foi e será porque você é.

Pode parecer complicado agora entender a dimensão disso em meio à decepção de não poder viver aquilo que você planejou. Era uma Olimpíada para encerrar um ciclo de quase 20 anos servindo à seleção. A oportunidade de fechar com chave de ouro —de prata, de bronze, ou melhor: com chave de orgulho— as décadas de dedicação para que as mulheres do futebol fossem tratadas com respeito. Mas eu tenho muitos motivos para te garantir, Cris: Tóquio é só um detalhe.

No anúncio da lista, uma ausência se tornou onipresença, e o maior assunto da convocação foi a jogadora não convocada. É nessas horas que a gente percebe o tamanho que você tem.

Quando começam a pipocar mensagens de pessoas que nem ligam para futebol indignadas: “POR QUE A CRISTIANE NÃO VAI PARA A OLIMPÍADA?”. Tenho certeza que vai chegar Tóquio e vai ter gente que vai descobrir quando ligar a televisão.

E eu confesso uma coisa pra você, Cris. Acho que a minha ficha só vai cair nessa hora. Os jogos vão ser de madrugada e eu já estou me imaginando meio sonolenta, ainda tentando acordar e BUM, vem a realidade me dar aquele choque: Cristiane não está na Olimpíada. Aquela que é a maior artilheira da história olímpica entre homens e mulheres com 14 gols não vai poder deixar mais um para contar história.

Falando em contar história, eu faço um compromisso com você agora, nesta carta: essa história, a que você, Marta, Formiga, Sissi, Roseli, Pretinha, Michael Jackson e tantas pioneiras começaram a escrever, não vai morrer. Ainda que já tenham tentado apagá-la de diversas formas.

Você sabe que até hoje não conseguimos afirmar com precisão seu número de jogos e gols com a camisa do Brasil. Não é curioso que a gente saiba quantos gols Leônidas da Silva fez nos clubes e na seleção nas décadas de 1930 e 1940, mas não saiba quantos você fez de 2003 a 2020? Não registrar uma história é fingir que ela não existiu. E, por muito tempo, foi isso que fizeram com vocês por aqui. Tentaram de tudo para que esse negócio de mulher jogando futebol caísse no esquecimento.

Contra poderosos, preconceituosos e uma sociedade inteira que dizia não, você provou que sim: lugar de mulher também é no futebol. É jogando e encantando um Maracanã lotado, como aconteceu no Pan-Americano de 2007. É conquistando duas pratas olímpicas, em 2004 e 2008, no suor e na raça, sem um pingo de investimento. É batendo recorde em 2019 com três gols na estreia do Mundial —a jogadora mais velha a conseguir esse feito em um jogo de Copa do Mundo.

Cris, você deve se lembrar de quando saía de casa na infância para jogar bola na rua e ouvia tudo quanto é xingamento da vizinhança. Quantas vezes voltou chorando para casa? Você ousou sonhar com o impossível na época (ser jogadora de futebol) e a sua luta de todos esses anos faz com que hoje o futebol seja um sonho possível para as meninas.

Por isso, você pode não estar fisicamente em Tóquio, mas você está inconscientemente dentro de cada menina que já ousou calçar uma chuteira e chutar uma bola. Você não está na seleção agora, mas você é a seleção. Não dá para dissociar passado, presente e futuro da história. Você é a história do futebol feminino, nunca se esqueça disso.